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Aumento do ICMS e críticas a Bolsonaro evidenciam fraturas na base aliada a Zema na ALMG

Governador enfrenta semana com críticas de aliados em virtude de acréscimo tributário e apontamento de ‘diferenças’ com ex-presidente; tamanho da coalizão governista é posto em xeque

João Magalhães

O aumento do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) com incidência em produtos tidos como supérfluos e as recentes declarações a respeito do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) ajudaram a evidenciar fraturas na base de deputados estaduais de Minas Gerais aliados ao governador Romeu Zema (Novo).

A cobrança de alíquota extra sobre mercadorias apontadas como não essenciais foi aprovada em segundo turno na Assembleia Legislativa nessa quinta-feira (28), mas teve o voto contrário de parlamentares que compõem a coalizão de sustentação ao Executivo.

Para deputados ouvidos pela Itatiaia, a defesa ao aumento tributário, autorizada pelo Parlamento por margem de quatro votos, representa incoerência em relação aos princípios liberais encampados pelo Novo.

As críticas a Bolsonaro, por sua vez, foram rebatidas por parlamentares ligados ao ex-presidente. O PL é um dos partidos que compõem a aliança governista. No fim do ano passado, o presidente nacional da legenda, Valdemar da Costa Neto, fez um apelo a lideranças de Minas em prol do embarque da agremiação na base do Executivo.

A lista de insatisfeitos com o governo de Zema tem, inclusive, o deputado Arnaldo Silva (União Brasil), presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), o mais importante dos colegiados da Assembleia. O comitê é responsável por dar a primeira opinião a respeito de todos os projetos que chegam ao Legislativo.

Segundo Arnaldo, o aumento tributário é o "último dos caminhos” a ser adotado por um governo. Enquanto Zema defende o ICMS complementar como atalho para o aumento das receitas e o impulso ao Fundo de Erradicação da Miséria (FEM), Arnaldo crê que os componentes do Parlamento poderiam ter sido consultados na busca por outras formas de obtenção de receitas.

“Aumentar imposto é quando você fala: ‘fiz de tudo, cortei, enxuguei, fiz o dever de casa, ouvi a Assembleia, pesquisei linhas e propostas diferentes, mas não houve jeito’. Mas pergunto: esse diálogo ocorreu? Tivemos a oportunidade de se assentar com a área financeira do estado, abrir os números, mostrar a realidade e ouvir as ideias que temos para que isso pudesse ser evitado? Isso não aconteceu”, diz, à Itatiaia.

Cálculo frustrado

No primeiro turno, o ICMS complementar teve 33 votos favoráveis, contra 23 manifestações contrárias. O placar da votação final foi de 31 a 27, o que representa certa distância para os cálculos do líder do governo na Assembleia, João Magalhães (MDB). O emedebista projetava obter entre 37 e 40 apoios à proposta.

Interlocutores ouvidos sob reservas pela reportagem dizem que a diferença aconteceu porque houve deputados governistas que não votaram. Dos 18 ausentes à votação, 14 são, ainda que formalmente, componentes dos dois blocos parlamentares dominados por aliados de Zema.

O núcleo de articulação política do governo costuma apontar que, dos 77 integrantes da Assembleia, 57 são aliados à gestão do Novo. A conta é baseada na soma dos componentes dos dois blocos de orientação pró-Executivo. Nos corredores do Legislativo, porém, o número é alvo de questionamentos. Isso porque há quem acredite que, na prática, a base governista é menor do que o número anunciado.

“Trinta e três votos no plenário (em 1° turno) já é um sinal de alerta ao governo de que é preciso entender melhor o que está acontecendo na Assembleia Legislativa. Vinte não vieram, em um projeto que o governo colocava como importante. Acredito que seja um momento de reflexão”, aponta Noraldino Júnior, do PSB.

No ano passado, quando estava no PSC, Noraldino apoiou a reeleição de Zema. Agora, foi uma das vozes contrárias à inclusão das rações para pets na lista de itens atingidos pelo aumento no ICMS. No fim das contas, os alimentos fornecidos aos animais acabaram eliminados do rol de supérfluos.

Na visão de Arnaldo Silva, o governo precisa mudar as bases das relações com os deputados — e entender que os parlamentares não querem “atrapalhar” a gestão.

“O Legislativo está aqui, mesmo os deputados da oposição, para contribuir. Quando a gente está disposto a estabelecer um diálogo — e isso dá trabalho — a gente muda toda a relação e as coisas fluem de uma forma melhor”, cobra.

Líder do bloco parlamentar “Minas em Frente”, formado por Novo, PSD, PP, PSC, Republicanos, União Brasil, Avante, Podemos e Solidariedade, Cássio Soares (PSD) diz que a vitória apertada do governo no embate do ICMS não preocupa para as próximas disputas.

“Cada votação é um cenário. Tem deputados que se sentem desconfortáveis diante de determinadas pautas. A gente respeita isso. Durante todo o tempo em que estou como líder, jamais impus qualquer tipo de votação a qualquer parlamentar que seja. Tenho certeza que, nas próximas votações, os resultados serão outros”, garante.

Embora Cássio assegure que o Palácio Tiradentes ainda não definiu os próximos projetos prioritários, há possibilidades à mesa. A Assembleia recebeu, por exemplo, uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que retira a obrigatoriedade de referendo popular para autorizar a privatização de empresas como a Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig) e a Companhia de Saneamento de Minas Gerais (Copasa).

Como já mostrou a Itatiaia, caso os quatros deputados do PT que faltaram à reunião tivessem comparecido, o governo poderia sofrer revés. Isso porque, se seguissem a orientação da liderança dos oposicionistas de votar contra a majoração do ICMS, o painel do plenário mostraria o placar de 31 a 31.

“O ‘se’ não funciona, porque se outros deputados governistas tivessem comparecido, teríamos uma votação maior. É compreensível que cada qual tenha sua decisão momentânea e seus compromissos inadiáveis de outras questões. Durante todo o processo, sempre respeitei a individualidade de cada parlamentar — ainda mais nesse tema espinhoso”, minimiza o pessedista.

Oposição percebe lacunas

Em que pese ter saído da votação do ICMS sob o clima de “quase”, a oposição a Zema na Assembleia, formada por PT, PCdoB, PV e Rede, também aponta dificuldades no diálogo entre Executivo e Legislativo.

Segundo o petista Ulysses Gomes, líder dos oposicionistas, a equipe de Zema não tem mostrado “disposição” em ouvir os deputados.

“A votação aqui (do ICMS) expressa um pouco isso: não ter a sensibilidade do que a sociedade cobra e pressiona — e que os deputados têm. O que ecoa na Casa é a pressão da sociedade e a representação dos 77 deputados, espalhados no estado inteiro. Aqui, seja com larga vantagem de votos ou apertada, sempre vamos expressar o que a sociedade pressiona e cobra, porque os deputados estão na base. E o governo está provando que não está (nas bases), mas distante da realidade”, critica.

Apesar do triunfo no plenário nessa quinta-feira, o líder governista João Magalhães adotou o silêncio. Na quarta-feira (27), porém, o emedebista refletiu a respeito da divisão que o ICMS causou na base de Zema.

Não há problema nenhum. Isso é natural. Alguns deputados têm suas insatisfações - e respeitamos”, apontou, para pouco depois, fazer a defesa da alíquota complementar. “A arrecadação da União, dos estados e dos municípios caiu muito. Estou ouvindo de prefeitos que vão começar a parcelar salários. Queremos evitar que isso aconteça no estado”, pregou.

O ‘caso’ Bolsonaro

Do lado do PL, as queixas a Zema surgiram após o governador ter pontuado “diferenças” entre ele e Jair Bolsonaro. O político do Novo afirmou que apoiou Bolsonaro nas eleições presidenciais de 2022 “muito mais” por reprovar o PT do que por “concordar” com as propostas do então candidato à reeleição.

“Apesar de nós termos 320 mil servidores públicos, não tenho nenhum parente. Então, também temos uma diferença: família para lá, negócios e carreira para cá”, assinalou, mencionando, também, divergências a respeito da postura ante a pandemia de Covid-19.

Sargento Rodrigues, um dos representantes da bancada do PL na Assembleia de Minas, rebateu as falas. “A crítica que ele fez ao presidente Bolsonaro é completamente desproporcional e incabível. Bolsonaro continua sendo — e será, por muitos anos — a grande liderança da direita. Não dá para comparar Zema a Bolsonaro”.

Cristiano Caporezzo, outro liberal, também contestou o governador. "É um absurdo dizer que é diferente de Bolsonaro porque não arruma cargo para os filhos. Os filhos do Bolsonaro foram eleitos pelo povo, não foram colocados pelo pai lá. O mínimo que ele deveria fazer é respeitar a imagem do presidente Bolsonaro”, devolveu.

Repórter de política na Rádio Itatiaia. Começou no rádio comunitário aos 14 anos. Graduou-se em jornalismo pela PUC Minas. No rádio, teve passagens pela Alvorada FM, BandNews FM e CBN, no Grupo Globo. No Grupo Bandeirantes, ocupou vários cargos até chegar às funções de âncora e coordenador de redação na BandNews FM BH. Na televisão, participava diariamente da TV Band Minas e do BandNews TV. Vencedor de 8 prêmios de jornalismo. Já foi eleito pelo Portal dos Jornalistas um dos 50 profissionais mais premiados do Brasil.
Graduado em Jornalismo, é repórter de Política na Itatiaia. Antes, foi repórter especial do Estado de Minas e participante do podcast de Política do Portal Uai. Tem passagem, também, pelo Superesportes.