Os chamados ‘manicômios judiciais’ estão com os dias contados: para onde vão os pacientes que cometeram crimes graves? Entra em vigor em 17 de junho uma resolução do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) que divide opiniões nos meios jurídico, médico e da segurança pública. Assinada pela presidente do órgão e do Supremo Tribunal Federal, ministra Rosa Weber, a resolução institui a Luta Antimanicomial no judiciário e no sistema penitenciário.
A resolução considera que os inimputáveis pela justiça, em razão do sofrimento mental, não poderão ficar mais presos ou internados em hospitais específicos. Eles serão tratados em unidades gerais de saúde, em tratamento ambulatorial.
No modelo atual, aquele que comete um crime grave e é considerado inimputável, ou seja, incapaz de entender a gravidade do crime que cometeu, pode passar a vida toda internado - só é colocado em liberdade se a Justiça considerar que é possível o convívio em sociedade.
A resolução do CNJ vai além e determina que a partir de agosto os hospitais de custódia, ou manicômios judiciários, sejam interditados e não recebam mais novos internos. Até 2024, todos devem ser fechados e eventuais pacientes serão colocados em liberdade.
É o caso do Hospital Psiquiátrico e Judiciário Jorge Vaz em Barbacena.
Inimputáveis
Alguns exemplos de presos de crimes de repercussão que foram considerados inimputáveis são Adélio Bispo, que esfaqueou o então candidato à presidência Jair Bolsonaro, em Juiz de Fora, em 2018; Roberto Aparecido Alves Cardoso, o Champinha, que matou o casal Liana Friedenbach e Felipe Caffé em 2003; e Amilton Loyola Caires, que matou a facadas o professor da Faculdade Izabela Hendrix, Kássio Vinícius Castro Gomes, em dezembro de 2022.
Adequação à lei
Para Melina Miranda, supervisora do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário do CNJ, o objetivo da resolução foi se adequar à lei antimanicomial, aprovada em 2001 e só agora aplicada pelo órgão. “Nessa lei é dito que nenhuma pessoa com transtorno mental pode ficar internada em instituições com características asilares. O que isso quer dizer? Instituições que internam por longo período, que excluem a pessoa, isolam a pessoa da sociedade” explica.
Dados da Secretaria Nacional de Políticas Penais apontam que, no Brasil, em dezembro de 2022 havia 1869 internos em medidas de segurança em 27 hospitais de custódia e tratamento psiquiátrico. A capacidade total é para 4006 pessoas.
Visões distintas
Para o psiquiatra forense Paulo Repsold, secretário do Departamento de Ética da associação Brasileira de Psiquiatria, a resolução é radical e ineficiente. “A princípio, ela é muito equivocada. Não se protegem direitos acabando com hospitais. Precisávamos reforçar os que temos, tornando-os hospitais de qualidade para o tratamento psiquiátrico de pacientes graves - que em certo momento da doença ficam agudos. Um paciente desse tipo que comete um crime gravíssimo, tentativa de homicídio, homicídio, lesão corporal grave, como é que vai tratar isso (em liberdade)?”, questiona.
O psiquiatra Arnaldo Madruga concorda com o fechamento dos hospitais de custódia, mas chama a atenção para a necessidade de que se melhorem as condições para o recebimento desses pacientes em unidades gerais. “Manicômios, no meu ponto de vista, têm que ser fechados. O que precisamos é de estrutura nos grandes hospitais para que a gente possa atender essas pessoas e tratá-las como seres humanos. O manicômio hoje em dia é sinônimo de depósito, é um desrespeito”, avalia.
Planejamento
O ponto mais polêmico da resolução - a extinção das vagas em hospitais psiquiátricos de custódia -ainda causa dúvida sobre a capacidade que o sistema de saúde do Brasil tem para absorver essa demanda. Melina Miranda afirma que os casos terão que ser analisados individualmente. “Todas as pessoas em medidas de segurança devem receber um projeto terapêutico singular. É um plano para cada pessoa, considerando as características, a condição pessoal e social de cada indivíduo. Esses casos vão ser acompanhados pelo Judiciário. As medidas não vão ser extintas, não é do dia para a noite” garante a representante do CNJ.
Procurado pela Itatiaia, o Ministério da Saúde diz que atua no fortalecimento do sistema de atenção psicossocial do SUS e que está preparando a rede pública para uma ampliação dos serviços e qualificação do atendimento com foco na atenção humanizada. O governo garante ainda que, de forma imediata, já está ampliando a rede com a habilitação de novos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS).