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Por que investir em segurança
Um estudo chamado “Caracterização dos acidentes de trabalho notificados no Brasil de 2013 a 2023”, publicado em 2024 aponta que o Brasil registrou 1.763.496 acidentes de trabalho notificados, com aumento expressivo entre 2019 e 2020 e crescimento de 364% no coeficiente de incidência dos casos graves.
A pesquisa mostra que construção civil, agropecuária, indústria de transformação e serviços de saúde concentram grande parte dos registros, com predominância de trabalhadores homens, jovens e em ocupações manuais, como pedreiros, alimentadores de linha de produção e trabalhadores agropecuários. Além de dor e perda de renda, esses eventos geram incapacidades funcionais, afastamentos prolongados e altos custos para a Previdência e para os serviços de saúde, consolidando-se como problema de saúde pública e de competitividade econômica.
Para o pequeno e médio industrial, esses números se traduzem em três riscos muito concretos: interrupção da produção, perda de mão de obra qualificada e desgaste da imagem da empresa perante clientes, comunidade e órgãos de fiscalização. Ao mesmo tempo, revelam um espaço de ganho indicado pelas próprias autoras do estudo: intervenções coletivas de segurança, focadas na melhoria do ambiente e das condições de trabalho, são caminho eficaz para reduzir acidentes e preservar a força de trabalho.
Do papel à prática diária
A Vigilância em Saúde do Trabalhador (Visat), integra o Sistema Único de Saúde (SUS) com a missão de acompanhar riscos, investigar acidentes e orientar ações de promoção e prevenção, independentemente do tipo de vínculo do trabalhador. Um estudo qualitativo, publicado na Revista Brasileira de Saúde Ocupacional se baseou em análise documental e em entrevistas com 15 gestores e tomadores de decisão.
A pesquisa concluiu que a implantação da Visat na esfera municipal ainda sofre com desarticulação entre setores, ações fragmentadas, papéis indefinidos e desconhecimento sobre o cuidado em saúde do trabalhador dentro do próprio sistema. Na outra ponta, muitos empregadores de menor porte seguem alheios ao fato de que podem acionar essa rede como parceira técnica, e não apenas como fiscalização.
Três movimentos ajudam a aproximar essa política da rotina da fábrica:
- Tratar a segurança como tema de gestão, entrando no planejamento da produção, dos investimentos e dos prazos, em vez de ser reduzida à compra de equipamentos de proteção.
- Ver o acidente como sinal do sistema (layout, ritmo, treinamento, contratação), e não como “culpa do funcionário distraído”, como sugerem os achados que relacionam condições de trabalho e ocupações mais atingidas.
- Estabelecer canais regulares com a rede SUS do território (especialmente Cerest regional e Atenção Básica) para discutir dados, treinar equipes e organizar fluxos de atendimento, seguindo o modelo de articulação intersetorial proposto pela Visat.
Rotinas que criam cultura de segurança
Os dados nacionais sintetizados pelo mapeamento da caracterização dos acidentes de trabalho apontou que quase 60% dos casos evoluem com algum grau de incapacidade funcional, com destaque para lesões em mãos e membros, justamente em tarefas em que a pressa e o improviso são mais frequentes.
Ao mesmo tempo, o artigo reforça que intervenções coletivas, voltadas à melhoria do ambiente e das condições de trabalho, têm maior potencial de impacto do que ações pontuais focadas apenas no indivíduo, perspectiva que converge com a literatura analisada pela Visat.
Algumas rotinas simples ajudam a transformar esse diagnóstico em prática diária para pequenas e médias indústrias:
- Roda rápida de início de turno: cinco minutos para revisar o risco principal do dia, checar equipamentos e recolher relatos de “quase-acidentes”, prática coerente com a ideia de vigilância contínua de situações de risco presentes tanto na Visat quanto nas análises de acidentes ampliados.
- Mapeamento de riscos com quem faz o trabalho: usar a experiência dos operadores para identificar pontos perigosos em máquinas, fluxos de materiais, postura, ruído e calor, registrando em linguagem simples e visível no setor, em linha com a abordagem participativa valorizada pelas políticas de saúde do trabalhador.
- Procedimento claro para acidentes e incidentes: definir como agir em caso de ocorrência, garantir o registro adequado (incluindo a notificação compulsória e a Comunicação de Acidente de Trabalho quando cabível) e usar cada caso como insumo de análise coletiva, como sugerem os estudos ao tratar os AT como expressão de condições de trabalho.
- Treino dirigido para jovens e recém-contratados: o recorte etário e ocupacional do estudo nacional mostra maior concentração de acidentes entre trabalhadores jovens em funções manuais, o que reforça a necessidade de supervisão mais próxima e de tarefas compatíveis com o grau de experiência.
- Uso ativo da rede pública: manter contato com o Cerest regional e com a Vigilância em Saúde local para discutir dados, pedir apoio em análises de ambiente e participar de ações de educação permanente, como propõe o artigo de Silva et al. ao destacar o papel desses serviços na consolidação da Visat.
Quando o acidente passa do portão
O ensaio “Acidentes ampliados: mais do que um conceito, uma história de luta que precisa ser atualizada”, também publicado pela RBSO em 2023, mostra como um evento iniciado como acidente de trabalho pode se ampliar para desastre que atinge rios, cidades inteiras, cadeias produtivas e milhares de famílias.
Ao revisitar acidentes tecnológicos desde a década de 1980 (como rompimentos de barragens, derramamentos de petróleo e o desastre nuclear de Fukushima), o texto aponta que, além de falhas pontuais em sistemas tecnológicos, vulnerabilidades institucionais e desigualdades sociais amplificam danos e espalham seus efeitos muito além da área industrial original.
Para o industrial, mesmo de menor porte, essa reflexão reforça que cuidar da segurança diária não protege apenas quem está no chão de fábrica, mas também a reputação do setor, a relação com o território e a própria licença social para operar. Nessa perspectiva, transformar a prevenção em hábito cotidiano é menos uma exigência burocrática e mais uma escolha de gestão que alinha proteção da vida, sustentabilidade econômica e responsabilidade com o futuro.
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