Toda organização conta uma história sobre o que realmente importa dentro do ambiente da empresa. Quando o recado implícito é que resultados vêm antes de qualquer coisa, inclusive da
Um estudo recente conduzido por pesquisadores da HEC Montréal propõe exatamente essa metáfora: há empresas com perfil “wasteland”, um terreno baldio em termos de cuidado com saúde e bem‑estar, e outras em estágio de “floração”, nas quais o ambiente interno sustenta a vitalidade das pessoas. O estudo mostra, com dados de quase três mil trabalhadores, que essa paisagem simbólica não é só estética, ela se traduz em mais ou menos adoecimento, absenteísmo, sobrecarga e satisfação no trabalho.
O que a pesquisa mediu
O trabalho analisou 59 organizações de Quebec, em 17 setores econômicos, a maior parte de serviços, para entender como elas estruturam estratégias de saúde e bem‑estar no trabalho. Gestores de recursos humanos responderam a um questionário em escada de sete pontos sobre oito dimensões, que vão da existência de iniciativas de promoção de saúde ao modo como a empresa identifica necessidades, define metas, avalia e ajusta programas.
Com esses dados, os autores aplicaram uma análise de perfis latentes e identificaram quatro tipos de organização, batizados com estágios de crescimento de uma planta: “wasteland”, “sprouting”, “budding” e “blooming”. Depois, em 32 dessas empresas, 2828 empregados responderam a questionários sobre absenteísmo, exaustão emocional, sensação de sobrecarga, intenção de sair do emprego e satisfação geral, permitindo cruzar perfil organizacional e efeitos sobre a saúde.
Quatro perfis de cuidado com pessoas
O perfil “wasteland” reúne empresas que praticamente não investem em
No extremo oposto está o perfil “blooming”, em que a saúde de quem trabalha é tratada como eixo estratégico, não como acessório simpático. Nesses ambientes, há programas consistentes, apoio explícito da liderança, comunicação frequente sobre bem‑estar e rotinas de diagnóstico, monitoramento e ajuste das ações, o que sinaliza um clima de compromisso contínuo com as pessoas.
Entre um ponto e outro, a pesquisa descreve o perfil “sprouting”, em que algumas iniciativas começam a surgir, com apoio moderado da direção, mas quase sem diagnóstico estruturado ou metas claras. E o perfil “budding”, em que, além de iniciativas e conversas mais frequentes sobre bem‑estar, a organização já identifica necessidades, define objetivos mensuráveis e começa a avaliar e corrigir o percurso, um estágio intermediário, mas com clima interno em franca transformação.
Clima organizacional como sinal de cuidado
Os autores recorrem à teoria dos sinais para explicar por que essas diferenças estratégicas repercutem tanto na saúde dos funcionários. Toda decisão, de lançar ou não um programa, de medir ou não sua eficácia, de falar ou não sobre o tema nas reuniões, envia mensagens sobre o quanto a organização valoriza de fato o bem‑estar de sua equipe, compondo o tecido do clima organizacional.
Também se apoia a análise na teoria da conservação de recursos, segundo a qual pessoas adoecem mais quando sentem que seus recursos (tempo, energia, apoio, recompensas) estão sob ameaça constante. Ambientes em que a empresa investe em saúde, ajusta cargas de trabalho e oferece suporte são percebidos como contextos ricos em recursos, nos quais vale a pena engajar‑se; climas áridos, ao contrário, reforçam a lógica de perda, alimentando estresse e desgaste.
Quando o abandono cobra a conta
Ao comparar os perfis, o estudo mostra que o “wasteland” é caro, tanto para as pessoas quanto para o negócio. Funcionários que trabalham em empresas com esse perfil relatam 93% mais dias de ausência do que aqueles em organizações “blooming”, diferença que, em larga escala, se converte em perda de produtividade e custos expressivos.
A intenção de pedir demissão também é maior nesse terreno árido: trabalhadores do perfil “wasteland” relatam propensão 19% mais alta a buscar outro emprego do que seus pares em empresas “floridas”. Em um mercado de trabalho marcado por escassez de talentos, como lembram os autores, esse dado acende um alerta para organizações que ainda tratam saúde ocupacional como despesa e não como investimento estratégico.
Os efeitos subjetivos são igualmente contundentes: em empresas “wasteland”, os níveis de exaustão emocional são 34% superiores aos encontrados no perfil “blooming”, e a sensação de sobrecarga chega a ser 43% maior. Em paralelo, a satisfação no trabalho cai cerca de 12,7% nesse ambiente, compondo um cenário em que o clima organizacional favorece o cinismo, o afastamento e, em última instância, o desligamento.
Bem-estar como parte da estratégia
Um ponto central da pesquisa é mostrar que saúde ocupacional eficaz não se reduz a iniciativas pontuais, como uma palestra anual sobre estresse ou um benefício isolado de ginástica laboral. O que diferencia os perfis mais saudáveis é a capacidade de integrar o tema à estratégia de gestão de pessoas: mapear necessidades, definir metas, medir resultados, ajustar o que não funciona e manter o assunto vivo nas conversas formais e informais.
Isso significa reconhecer que o clima organizacional não nasce apenas de traços individuais ou de “boa vontade” de alguns gestores, mas de decisões estruturais sobre prioridades, recursos e símbolos. Quando a alta liderança assume que saúde e bem‑estar são partes do posicionamento competitivo e não ornamentos, o ambiente interno tende a se reorganizar: políticas se alinham, chefias médias recebem respaldo e os próprios trabalhadores passam a acreditar que vale a pena participar das iniciativas.
Como sair do perfil “wasteland”
A pesquisa sugere um roteiro indireto para empresas que desejam migrar do terreno baldio para um clima mais fértil. O primeiro passo é existir algo além do discurso: criar iniciativas concretas voltadas a reduzir riscos, apoiar a saúde mental, equilibrar cargas de trabalho e ampliar a autonomia, em vez de se limitar a campanhas genéricas.
Em seguida, o estudo indica que pouco adianta lançar programas sem o apoio visível da alta gestão, que funciona como bússola simbólica para o restante da organização. É esse apoio que legitima conversas frequentes sobre bem‑estar em reuniões, avaliações de desempenho e decisões de alocação de recursos, consolidando um clima no qual falar sobre limites não é visto como fraqueza, mas como parte do trabalho.
Outro movimento decisivo é trocar o improviso pelo diagnóstico: empresas nos perfis mais maduros tendem a ouvir sistematicamente seus empregados, identificar necessidades específicas e, a partir daí, definir objetivos quantificáveis para seus programas de saúde. Avaliar periodicamente esses objetivos (e ter coragem de ajustar rotas) é o que transforma uma coleção de ações em estratégia consistente, capaz de alterar percepções e experiências cotidianas.
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