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Reunidos na mesma barca

“Todos na mesma barca” deve ser um princípio de vida. Ele inspira respeito, gratidão, humildade e compromisso com o bem comum

A imagem do Papa Francisco, sozinho e em oração na Praça São Pedro durante a pandemia, marcou profundamente o mundo. Em meio à crise global da COVID-19, suas palavras ecoaram fortemente: “Ninguém se salva sozinho. Todos estão na mesma barca.” Essa frase expressa uma sabedoria essencial, contrária ao individualismo e à soberba que ainda marcam tantas atitudes humanas. Reconhecer-se parte de um corpo maior — a “barca” da humanidade — é condição fundamental para enfrentar as tempestades que ameaçam a coletividade.

A Igreja Católica, com sua tradição milenar, compreende-se como a “barca de Cristo”, conduzida por Pedro, em travessia constante. Essa metáfora se estende às famílias, instituições e à sociedade: ninguém atravessa sozinho os desafios da vida. Enfrentá-los exige envergadura moral, espiritual e humanística, não apenas intelectual. É comum encontrar pessoas muito capazes intelectualmente, mas emocionalmente imaturas, que agem com tirania, sem gratidão ou empatia.

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A ingratidão impede o reconhecimento de que, em cada conquista, há contribuições de outras pessoas. A consequência é o isolamento, a perda de oportunidades, a disseminação do ódio e a destruição de vínculos. Pode até levar a vitórias momentâneas, mas às custas da própria barca. A dificuldade de compreender que “ninguém se salva sozinho” ajuda a explicar a escassez de lideranças verdadeiramente transformadoras. Em vez de líderes, vemos pessoas fechadas em seus interesses e visões limitadas, promovendo o egoísmo, a destruição ambiental, o desrespeito aos direitos humanos e a propagação de mentiras e preconceitos.

“Todos na mesma barca” deve ser um princípio de vida. Ele inspira respeito, gratidão, humildade e compromisso com o bem comum. É um antídoto para as mágoas e os ódios que alimentam guerras — inclusive as guerras de palavras nos lares e nas redes sociais. A espiritualidade do pertencimento mútuo é caminho para evitar naufrágios com perdas irreparáveis.

Em vez de guerrear por palavras, é preciso agir com fraternidade. Como disse Santo Antônio: “Cessem as palavras, falem as obras.” Palavras sem ação podem deixar a barca à deriva. O Evangelho nos lembra: o outro é sempre mais importante, pois todos estamos na mesma barca. Ainda é tempo de se salvar — o caminho é assumir a corresponsabilidade no cuidado uns dos outros.

O Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte, dom Walmor Oliveira de Azevedo, presidiu a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e publica semanalmente aos sábados no Portal Itatiaia.

A opinião deste artigo é do articulista e não reflete, necessariamente, a posição da Itatiaia.