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Oscar virou Niemeyer em Belo Horizonte

É a cara da cidade - As obras do arquiteto Oscar Niemeyer em BH

Oscar Niemeyer

“Foi através de Portinari que meu nome chegou a Juscelino.”
— Oscar Niemeyer, depoimento ao CPDOC/FGV, 1981

Entre uma capela à beira da lagoa e uma catedral ainda em construção, Oscar Niemeyer desenhou 34 obras para uma cidade que não era sua — e que o revelou ao mundo.

Quando o jovem prefeito Juscelino Kubitschek decidiu transformar a Pampulha num marco da modernidade, ouviu o conselho de Cândido Portinari e convidou um arquiteto ainda pouco conhecido: Oscar. Era 1940. A partir dali, nascia uma parceria que mudaria a história de Belo Horizonte, de Minas Gerais, do Brasil, da arquitetura… e de Niemeyer.

Durante sua gestão como prefeito (1940–1945), JK encomendou ao jovem arquiteto o que viria a se tornar um ícone do modernismo: o Conjunto da Pampulha. Entre 1941 e 1943, foram projetados e construídos o Cassino da Pampulha (1ª, 1941, hoje Museu de Arte), a Casa do Baile (2ª, 1942), o Iate Tênis Clube (3ª, 1942), o Golfe Clube da Pampulha (4ª, 1943, hoje sede da Fundação Zoobotânica) e a Igreja São Francisco de Assis (5ª, 1943).

Além dessas cinco joias à beira da lagoa, o ciclo inclui o projeto do Hotel da Pampulha (6ª, 1943, não edificado), a Casa de Juscelino Kubitschek (7ª, 1943), a Residência João Lima de Pádua (8ª, 1943), e o Teatro Municipal de Belo Horizonte (9ª, 1943, não executado), um projeto arrojado com volumes elípticos e cilíndricos, abandonado ainda nas fundações. Essas estruturas inacabadas seriam, anos depois, reaproveitadas na construção do Palácio das Artes, concluído com base em outro projeto, de autoria de outros arquitetos.

Já como governador de Minas (1951–1955), JK retomou a parceria. Entre 1950 e 1955, Niemeyer projetou a Residência Alberto Dalva Simão (10ª, 1950), o Conjunto Governador Kubitschek (JK) (11ª, 1951), a Residência Pedro Aleixo (12ª, 1951, demolida), o Grupo Escolar Juscelino Kubitschek (13ª, 1953, demolido), a sede do Banco Mineiro da Produção (14ª, 1953), a Escola Profissional de Belo Horizonte (15ª, 1954, não edificada), o Edifício Niemeyer (16ª, 1954), o Colégio Estadual Central (17ª, 1954), a Biblioteca Pública Estadual Luiz de Bessa (18ª, 1955), o Lactário de Santa Efigênia (19ª, 1955, atribuído), o Posto de Saúde das Pioneiras (20ª, 1955, atribuído), e o Palácio das Mangabeiras (21ª, 1955, atribuído), residência oficial do governador.

Na transição desse ciclo emerge o Clube Libanês (22ª, c.1955, atribuído), localizado próximo da orla da Pampulha, com linhas leves e elegantes em diálogo com o conjunto original. Anos depois, Niemeyer assinaria também o projeto do Pampulha Iate Clube – PIC (23ª, 1961), concluído com patrocínio privado e retomando os gestos livres que marcaram sua linguagem inicial.

Na década seguinte, Niemeyer viveria dois momentos delicados em Belo Horizonte. Em 1968, propôs a demolição do Palácio da Liberdade para erguer uma torre modernista em seu lugar (24ª, 1968, não edificado). A proposta não prosperou — e talvez esse seja um caso em que a recusa preservou mais do que destruiu. Pouco tempo depois, em 1969, iniciou-se a construção do Parque de Exposições da Gameleira (25ª, 1969, demolido), obra interrompida de forma trágica após o colapso de sua estrutura, que resultou em dezenas de mortes e feridos. A tragédia foi tão brutal que, até hoje, não se localiza nenhum registro público completo da planta estrutural original do projeto. É, sem dúvida, a página mais sombria da trajetória de Niemeyer em Belo Horizonte.

Em 1976, ao lado de Darcy Ribeiro, Niemeyer projetou o visionário Museu do Homem (26ª, 1976, não edificado). A década seguinte trouxe novos desenhos: o Hotel na Pampulha (27ª, 1984, não edificado), a Academia Mineira de Letras (28ª, 1984, não edificada), a Escola Guignard (29ª, 1984, não edificada), o Centro Cultural da Caixa Econômica Federal (30ª, 1989, não edificado) e o Monumento a JK / Anexo Museu (31ª, 1989, não edificado).

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Nos anos 1990, Niemeyer desenhou o Monumento do Centenário de Belo Horizonte (32ª, 1992, não edificado).

O ciclo se encerra com as duas últimas criações de Oscar Niemeyer para Belo Horizonte: a Catedral Cristo Rei (33ª, 2006, em construção), projetada aos 98 anos como símbolo espiritual da cidade, e a Cidade Administrativa (34ª, 2010), sede do Executivo mineiro, com o maior vão livre em concreto armado já construído no país — sua última obra inaugurada na capital.

Ao todo, são 34 obras: quinze edificadas, uma em construção, quatro atribuídas, dez que nunca saíram do papel e quatro que foram demolidas. É uma presença monumental, densa e múltipla — que atravessa décadas e programas, e combina bancos, casas, clubes, escolas, esboços, ideias, igrejas e ruínas.

Belo Horizonte não é apenas um capítulo na obra de Niemeyer — é onde ela começa. Poucas cidades no mundo concentram tantas camadas do arquiteto quanto a capital mineira.

Depois dessas curvas, viria Brasília.

Contudo, o primeiro traço foi aqui. Oscar virou Niemeyer em Belo Horizonte.

Gabriel Sousa Marques de Azevedo é advogado, empresário, jornalista, professor, publicitário, pós-graduado em competitividade global pela Georgetown University e Mestre em Cidades pela London School Of Economics.

A opinião deste artigo é do articulista e não reflete, necessariamente, a posição da Itatiaia.