Belo Horizonte pode ser lida por seus mercados. Eles não foram apenas locais de compra e venda, mas verdadeiros espelhos das transformações urbanas e sociais da capital. Em 1900, apenas três anos depois da inauguração da cidade planejada, nasceu o primeiro Mercado Municipal no início da Avenida Afonso Pena, onde ela se encontra com as avenidas Paraná e Dumont. A estrutura de ferro importada da Bélgica abrigava boxes para o comércio de varejo e um espaço amplo para tropeiros que descarregavam mercadorias vindas do interior. O projeto já estava previsto no plano original da nova capital. Durante quase três décadas, o mercado foi o elo entre o campo e a cidade, até que em 1929 foi demolido. O terreno passou a abrigar a Feira Permanente de Amostras e, mais tarde, a primeira rodoviária do Brasil, inaugurada em 1941. Hoje, a área abriga o Terminal Rodoviário Governador Israel Pinheiro, aberto em 1971, símbolo da transformação de um ponto de abastecimento local em eixo de mobilidade nacional.
Ainda em 1929, para substituir o espaço demolido, a prefeitura ergueu o novo Mercado Municipal em um quarteirão da Avenida Augusto de Lima, onde antes funcionava o campo do América Futebol Clube. Os barracões abertos, sem cobertura, logo se tornaram o coração do abastecimento da capital. Ali se compravam verduras, carnes e grãos, convivendo com bares, barbearias e pequenos serviços. Nos anos 1960, a prefeitura decidiu fechá-lo e transferir os feirantes para um edifício moderno em construção na Praça Raul Soares. O plano parecia irreversível, mas encontrou resistência. Os comerciantes se organizaram em cooperativa, compraram o terreno e ergueram com recursos próprios, e apoio financeiro do Banco Mercantil, um galpão que ocupou todo o quarteirão. Nascia o Mercado Central, em sua configuração atual. Com o tempo, ele deixou de ser apenas centro de abastecimento e se transformou em patrimônio cultural e turístico, reunindo 400 lojas em 24 mil metros quadrados, frequentadas mensalmente por mais de um milhão de pessoas. Nos corredores, turistas buscam queijos, doces e artesanato mineiro, enquanto belo-horizontinos fazem suas compras e se encontram nos bares para comer fígado com jiló. O Mercado Central é símbolo da identidade e da resistência da cidade.
O prédio moderno que deveria substituir o Central foi concluído nos anos 1960 e batizado de Mercado Novo. Localizado perto da Praça Raul Soares, tinha arquitetura modernista em concreto e tijolos vazados, quatro pavimentos planejados para hortifrúti, lojas e serviços. A promessa era de que seria o mercado do futuro. Só que esse futuro nunca se cumpriu. A resistência dos comerciantes em abandonar o Central fez com que o edifício permanecesse subutilizado. Por décadas, foi ocupado por gráficas, tipografias, oficinas e pequenos negócios de aluguel baixo, conhecido como “velho Mercado Novo” pela falta de vitalidade. A partir de 2010, no entanto, começou uma transformação. O espaço passou a receber festas, eventos culturais e, depois, uma leva de empreendedores criativos que ocuparam boxes antes fechados com bares, charcutarias, cervejarias e restaurantes. Hoje, o Mercado Novo é polo da economia criativa, reunindo gastronomia, cultura e lazer, ao mesmo tempo em que conserva gráficas e oficinas que resistem em seus andares inferiores.
A história dos três mercados mostra a própria história de Belo Horizonte. O primeiro desapareceu, levado pela modernização. O segundo resistiu, sustentado pela força de seus comerciantes. O terceiro renasceu, transformado em símbolo de reinvenção urbana. Juntos, revelam uma cidade que se constrói entre rupturas e permanências, sempre preservando em seus mercados não apenas o comércio, mas a memória e a identidade de sua gente.