Olhando bem de perto, ninguém é normal. Essa constatação poética e profética ajuda a gente a ter menos escândalo diante das contradições humanas. E isso pensando não só na vida da vizinha, mas numa autoanálise. A Assunção, ainda que a contra gosto, dos próprios limites, fraquezas, síndromes é libertadora.
Sob o pressuposto da “aceitação”, talvez uma das grandes virtudes que esse “século” nos tenha roubado é da consciência de que todos somos falhos, imperfeitos, desajustados. Isso pensando, aqui, não num pensamento bacana no Instagram... Equívocos roteirizados engajam! A aceitação dos próprios defeitos em nada tem a ver com autocomplacência digital, ou mesmo com os berros de protesto contra essa ou aquela normatividade (de gênero, de corpo, de credo...). Não, não se trata dessa mania contemporânea de esconder, com frases bonitas, o desejo secreto de ser parte do padrão!
Sim, sim, há algo de errado em que se faz juiz do prazer alheio, cheio de vontade de morder igual. Há algo de suspeito em quem se julga paladino das virtudes morais, sobretudo as mais contemporâneas, em defesa dos últimos, morrendo de vontade de se sentar à mesa com os primeiros...
Nada de novo. Até entre os anjos se acha imperfeição (Jo 4,18). É libertador se ver, às vezes, como a maldade em crise tendendo que reconhecer, encontrar no próprio umbigo o maior dos inimigos (Flaira Ferro).
Na verdade, é até bonitinho, num primeiro momento viver por protesto, ter a pretensão de mudar o mundo, tendo como ponto de partida indignação e boa vontade! Assim são os jovens, veem tudo que está errado, só bugam na parte em que lhe cabe pensar o que eles têm a ver com isso. A maturidade, com certa sabedoria e cinismo, faz conhecer que a paz tem menos a ver com frases de efeito sobre guerras estrangeiras e mais com a quitação de boletos... Evita-se muitos conflitos lavando-se louça, enchendo menos o saco dos outros, deixando a cama arrumada.
A gente descobriu que o velho mundo tinha suas falhas, que a diversidade é um dom, que a miséria é um ofensa à dignidade humana. O desafio agora é: parar de querer reinventar o tempo todo a roda; assumir que nem todos seremos iguais, pois caráter e temperamento influenciam destino; entender que desigualdade não se resolve em gabinete, com idealismos, em cima de palanques.
Falta a nós, indivíduos contemporâneos, gênios prematuros, juízes da história, alecrins dourados, um pouco de sinceridade, de despretensão (e diríamos, até cinismo!). Não, religião não é salvo conduto: é possível ter as mãos ao alto e os pés atolados em ambição; há uma enorme diferença entre impressões e uma descrição clara da realidade; hoje mais do que nunca, bandeiras religiosas, morais e políticas quase sempre viram figurino trocado conforme o algoritmo...
De perto, ninguém é normal... Se conhecer alguém (sobretudo se for religioso, advogado ou político!) que só vive pela defesa de grandes valores, que diz que está bem resolvido, que afirma não ter mais motivos para reclamar da carência dos próprios pais, ou que a terapia está em dia: esconda a carteira, não retorne “aquela” mensagem com esse sorrisinho no canto da boca (senão é vrauu!), dê dois passos para trás e corra. Certamente é cilada!