Há três anos escutei uma frase que me marcou muito: “Uma mãe atípica vive diariamente o estresse igual a de um soldado em guerra”. Essas palavras foram proferidas por uma então recente empreendedora social, Janaína Neves, mais conhecida como Jana Neves, fundadora do Projeto Voo Azul. Mãe de duas crianças autistas e esposa de um homem também autista, foi na dor diária da falta de assistência do poder público para o desenvolvimento dos seus filhos, que Jana decidiu criar uma ONG que pudesse sanar essa ausência do estado e que pudesse atuar de forma efetiva na vida dessas crianças e famílias atípicas.
O projeto foi fundado em 2022, é uma entidade sem fins lucrativos dedicada à promoção do desenvolvimento integral e à maximização do potencial de crianças e adolescentes com Transtorno do Espectro Autista (TEA). A operação se concentra na Regional Norte de Belo Horizonte, suprindo uma demanda crítica por intervenções especializadas e tem como missão estratégica, preencher esta lacuna essencial, fornecendo suporte qualificado e um ecossistema de acolhimento que assegura cuidados de excelência para a comunidade. Nesses três anos de atuação, o projeto já atendeu por meio de 15 especialistas que compõem o corpo técnico especializado, mais de 100 beneficiários diretos e fortaleceu um número superior a duzentas famílias.
O trabalho do Voo Azul se baseia em quatro pilares denominados: Dimensões Estratégicas do Impacto, sendo esses:
- Desenvolvimento acadêmico integrado: consiste em metodologias pedagógicas de vanguarda, personalizadas que visam maximizar o potencial cognitivo e acadêmico de cada indivíduo;
- Fortalecimento sociofamiliar: estrutura robusta de acolhimento especializado, oferecendo orientação estratégica e recursos essenciais para o suporte contínuo da rede familiar;
- Expressão criativa e inovação: são programas culturais e artísticos estratégicos que fomentam o desenvolvimento socioemocional e catalisam a comunicação e a autoexpressão;
- Inclusão e saúde integral: iniciativas esportivas e recreativas adaptadas, promovendo o bem-estar físico e a consolidação de habilidades de socialização e convivência.
O crescente número de diagnósticos
O autismo, ou Transtorno do Espectro Autista (TEA), deixou de ser uma condição rara para se tornar uma realidade estatística cada vez mais presente. Dados recentes apontam para um crescimento exponencial no número de diagnósticos: enquanto em anos anteriores se falava em 1 a cada 150, hoje a prevalência mundial caminha para 1 a cada 31 ou 36 crianças em algumas estimativas. No Brasil, fala-se em cerca de 2,4 milhões de pessoas no espectro.
Esse aumento, impulsionado pela maior conscientização e pela ampliação dos critérios diagnósticos, traz luz à necessidade urgente de suporte especializado. É neste cenário que os projetos sociais voltados a crianças com autismo emergem não como um luxo, mas como uma peça fundamental na engrenagem da inclusão e do desenvolvimento.
Os projetos sociais entram justamente para preencher esta lacuna. Muitos serviços de saúde, por sua sobrecarga, não conseguem oferecer a frequência e a profundidade de intervenção baseada em ciência que o desenvolvimento de uma criança no espectro exige. Os projetos como o Voo Azul atuam como um alicerce complementar, oferecendo desde terapias ABA, fonoaudiologia e terapia ocupacional, até oficinas de habilidades sociais e apoio educacional, muitas vezes gratuitamente ou a baixo custo. Eles são a ponte entre o diagnóstico e a plena inclusão.
O risco da banalização e o cansaço das mães atípicas
Infelizmente, o aumento da visibilidade vem acompanhado de um fenômeno preocupante: a banalização do laudo. Em busca de acesso a terapias e benefícios, o diagnóstico corre o risco de ser visto como um “carimbo” conveniente, e não como o ponto de partida para um plano de intervenção. Essa banalização desvia o foco da necessidade real de profissionais qualificados e da continuidade terapêutica, que são vitais. Além de minimizar o sofrimento de mães que realmente possuem filhos autistas e que lutam arduamente para trazer mais dignidade para eles.
A jornada da maternidade atípica é uma maratona de resiliência, marcada por desafios sistêmicos e emocionais. Dados apontam que essas mães frequentemente enfrentam:
- Exaustão crônica (Burnout): a necessidade de coordenar inúmeras terapias, lidar com a sobrecarga sensorial da criança em ambientes inadequados e a busca incessante por recursos levam a um nível de estresse comparável ao de soldados em combate;
- Isolamento e abandono: muitas vezes, a mãe se vê forçada a abandonar ou reduzir drasticamente sua carreira. Em alguns casos, o parceiro se afasta, sobrecarregando ainda mais a cuidadora principal;
- Preconceito e julgamento: o estigma social força a mãe a um constante esforço de justificação em espaços públicos e até mesmo em ambientes escolares, minando sua saúde mental.
Os projetos sociais, ao acolher a criança, oferecem um respiro vital para essas mães. Ao proporcionar um espaço seguro e terapêutico para o filho, eles devolvem à mãe um tempo essencial para o autocuidado, para a reinserção profissional ou, simplesmente, para processar o luto e a ansiedade da jornada.
Por isso, apoiar e fomentar projetos sociais focados no autismo é investir na dignidade humana e na construção de uma sociedade verdadeiramente inclusiva. Eles não apenas capacitam as crianças a alcançarem seu potencial máximo, mas também sustentam a saúde física e mental das mães, que são as verdadeiras gestoras da inclusão diária. Em um cenário de crescentes diagnósticos, a estrutura social precisa se expandir na mesma proporção. E, muitas vezes, os projetos sociais são os únicos a erguer essa estrutura com amor e técnica, lado a lado com as mães guerreiras.
Conheça mais o Voo Azul no Instagram: @vooazul_autismo