Dizem que o uso do cachimbo faz a boca torta. O presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta, decidiu cassar administrativamente Eduardo Bolsonaro e Alexandre Ramagem (PL-SP), ex-diretor-geral da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) para distensionar a relação com o Supremo Tribunal Federal (STF) e evitar novo desgaste político. O caso Carla Zambelli deixou Motta em embate frontal com a Corte. Depois de condenada por invasão hacker ao sistema do Conselho Nacional de Justiça, o STF declarou a perda do mandato. Mas, na madrugada de 11 de dezembro, ou seja, há oito dias, Hugo Motta mandou o processo de cassação de Zambelli ao plenário em momento de quórum baixo. Foi rejeitado porque não alcançou o mínimo: teve 227 votos a favor, precisaria de 257.
Alexandre de Moraes anulou a votação da Câmara dos Deputados e determinou a perda imediata do mandato de Zambelli. Desde 2012, há entendimento firmado no Supremo de que parlamentares condenados criminalmente perdem o mandato automaticamente, a partir do trânsito em julgado: os direitos políticos são suspensos. O ministro também indicou, em sua decisão, o entendimento, desde 2017, a perda de mandato também nos casos em que a pena seja cumprida em regime fechado e não seja possível ao condenado progredir para o trabalho externo durante o tempo restante da legislatura. Além disso, segundo Moraes, no caso de Carla Zambelli, a Constituição Federal define que é o Poder Judiciário quem determina a perda do mandato parlamentar condenado criminalmente com trânsito em julgado, cabendo à Mesa da Câmara dos Deputados, somente declarar a perda do mandato. Por isso, o ministro entendeu que a decisão do plenário da Câmara foi nula e inconstitucional.
Hugo Motta saiu muito desgastado desse episódio. Ele que já havia anunciado que o processo de cassação de Alexandre Ramagem (PL-RJ) também seria decidido pelo plenário. A situação de Ramagem é semelhante à de Zambelli: foi condenado por tentativa de golpe de estado, já houve trânsito em julgado, e a Corte já havia determinado a perda do mandato eletivo. Motta quis distensionar o relacionamento com o Supremo. E o fez, em momento em que há, também, uma reaproximação com o governo Lula: Motta teve participação na indicação do novo ministro do Turismo, Gustavo Feliciano, filho do deputado federal Damião Feliciano (União-PB). Em política isso se chama de expectativa de poder: sem Tarcísio de Freitas (Republicanos) na corrida presidencial, Motta calcula que as chances de reeleição de Lula são altas. Deixa entreaberta a porta para uma reaproximação, assim como faz agora o União Brasil.
Foi nesse contexto que a Mesa Diretora da Câmara cassou Ramagem e, resolveu um outro problema: cassou Eduardo Bolsonaro, por ultrapassar os limites de faltas. O PL diz que a bancada irá recorrer. Mas, a causa é perdida. O suplente de Ramagem é o ex-deputado federal dr. Flávio, atualmente secretário estadual de Agricultura do Rio. E, no lugar de Flávio Bolsonaro, assumirá em definitivo o deputado Missionário José Olímpio (PL-SP), que tem em seu currículo, um projeto de lei apresentado em 2014 que proibia o implante de chips em seres humanos, para evitar uma “satânica ordem mundial”, já que, na visão dele, “o fim dos tempos se aproxima”. Uma coisa é certa: de tédio, ninguém morre na Câmara dos Deputados.