O Brasil chega ao fim de 2025 com uma sensação paradoxal: há sinais de maturidade democrática e, ao mesmo tempo, uma exaustão institucional que vai se acumulando como poeira embaixo do tapete. O mundo, por sua vez, atravessa um tempo de tensões duras, com guerras, deslocamentos, inseguranças e uma corrida tecnológica que altera a política sem pedir licença. O resultado é um tipo de ansiedade pública que não é apenas emocional, mas estrutural. E ela tende a se manifestar ainda mais em 2026, quando calendário eleitoral, futebol e urgências reais disputarão a atenção do país.
Há, porém, dados que impedem uma leitura apocalíptica: 2025 entrega números melhores do que a crônica política e econômica costuma reconhecer. No acumulado do ano até o terceiro trimestre, o PIB cresce 2,4% em relação a igual período de 2024, a inflação na faixa de 4,4%, e a taxa de desocupação recua a 5,6% no terceiro trimestre, a menor da série iniciada em 2012. O paradoxo é que esse alívio convive com um freio de mão poderoso: a Selic permanece em 15% ao ano, no maior patamar desde 2006, encarecendo crédito, comprimindo investimento, alongando a travessia fiscal e fazendo o país pagar caro para girar o básico da economia. O Brasil cresce, mas cresce com custo alto, e esse custo aparece onde dói mais, no financiamento das empresas, no consumo das famílias e na disputa permanente por espaço no orçamento público.
Em 2025, o Brasil teve um acontecimento de peso: a COP30, em Belém. O balanço oficial indica que a conferência terminou com o “Pacote de Belém”, um conjunto de decisões aprovadas por consenso, com ênfase em temas como transição justa, financiamento da adaptação, tecnologia e gênero. Boa parte da imprensa nacional e internacional reconhece avanços formais em adaptação e financiamento, ainda que com metas e prazos aquém do necessário, e com negociações duras em torno da transição energética. Ainda assim, o Brasil sai relativamente bem na foto: num planeta à deriva, co-liderar a agenda climática é um ativo de soberania. Em 2026 há chance de o nosso país transformar prestígio climático em política pública consistente, e isso exige planejamento e capacidade política e orçamentária.
Só que soberania climática, sem Estado que coordene e sem orçamento que obedeça a prioridades, vira prestígio sem consequência. O Estado brasileiro, do jeito que está, tem operado num regime de fricção constante e capacidade limitadíssima. O Orçamento de 2026 foi aprovado com reserva de cerca de R$ 61 bilhões em emendas, sendo R$ 49,9 bilhões direcionados às prioridades de deputados e senadores e R$ 11,1 bilhões acolhidos na programação dos ministérios.
Não há precedentes no mundo de uma engrenagem orçamentária em que o Executivo, responsável pelas políticas públicas e pela cobrança diária da população, fique tão condicionado por um arranjo que pulveriza decisão e, muitas vezes, dilui responsabilidades. Se me dessem um adjetivo para qualificar tudo isso, eu diria: escandaloso. Trata-se de um sequestro das funções de um poder pelo outro.
O Poder Judiciário também aparece, nesse enredo, como ator ambivalente. É inegável sua função de garantia, especialmente quando freia ilegalidades e exige rastreabilidade e transparência em fluxos orçamentários que se tornaram opacos. O próprio sistema de freios e contrapesos depende, em alguma medida, dessa vigilância quando a política normaliza atalhos. Mas há uma fronteira delicada: quando a política não resolve seus conflitos, ela terceiriza a decisão. E, quando terceiriza demais, normaliza a judicialização como método de governo, o que desgasta tanto a democracia representativa quanto a legitimidade do próprio Judiciário.
O Brasil não precisa de um poder “salvador” em Brasília; precisa de instituições que funcionem cada uma no seu papel, com autocontenção e responsabilidade recíproca. Quando o Executivo perde capacidade de coordenar, o Legislativo governa sem assumir o custo, e o Judiciário vira árbitro permanente, o país troca direção por litígio. E o risco aumenta.
Se 2026 já seria tenso pelo conjunto da obra, o novo ano ainda vem com três aceleradores. O primeiro é socioafetivo: a Copa do Mundo e a esperança do hexa, esse sonho que unifica o país por alguns instantes e, justamente por isso, revela o tamanho da nossa carência de projetos coletivos. O segundo é formal: as eleições presidenciais e parlamentares, com primeiro turno em 4 de outubro de 2026 e segundo turno em 25 de outubro de 2026. O terceiro é político: a reorganização da direita num cenário em que Jair Bolsonaro está fora do jogo eleitoral imediato e com a agenda judicial ainda tensionando seu campo político.
A política brasileira, que já era hiperpersonalizada, terá de testar se consegue disputar projetos sem transformar tudo em espetáculo, ressentimento e guerra cultural. E aqui mora uma ironia pouco comentada: a hiperpolítica do grito convive com uma antipolítica da administração, aquela rotina sem palco que garante vacina, escola, estrada, licenciamento ambiental sério, policiamento inteligente, prevenção social, resposta rápida a desastres. Democracia não é apenas votar; é entregar. E, quando não entrega, abre-se o caminho para o vendedor de medo, para o messias da força, para o salvacionismo que promete ordem quebrando regras.
No meio disso tudo, existe uma agenda que deveria ser a prioridade do país: reformas estruturantes de gestão pública e capacidade estatal. Há uma notícia importante, pouco vocacionada a manchetes, mas decisiva: em 18 de dezembro de 2025, uma comissão de especialistas entregou ao governo federal a proposta de uma Lei Geral da Gestão Pública, pensada para substituir integralmente o Decreto-Lei 200/1967 e recolocar a entrega de políticas públicas no centro da administração.
Isso pode ser um marco civilizatório, se for tratado com seriedade e se não virar peça de marketing. Ao mesmo tempo, a reforma administrativa “clássica”, do jeito que o Congresso vinha anunciando, terminou 2025 estagnada, com a PEC 38/2025 cercada de controvérsias e perda de apoio entre signatários. Há um ponto ético incontornável: nenhuma reforma merece esse nome se poupa os privilégios do topo e empurra o custo para quem atende na ponta.
Há, por fim, uma urgência que está falando mais alto do que qualquer disputa ideológica: a segurança pública. Pesquisas recentes mostram o tema subindo fortemente na percepção social como prioridade. No Datafolha, a segurança pública aparece com 16% como a segunda maior preocupação nacional. Na Genial/Quaest, a violência aparece como principal preocupação em levantamentos de 2025, chegando a 38% em novembro. Esses números traduzem medo, rotina sitiada e descrença.
A crítica precisa ser honesta com todos os lados. A esquerda, muitas vezes, trata segurança como um tema “incômodo”, como se falar de policiamento e crime fosse automaticamente endossar abuso. A direita, com frequência, reduz segurança a slogans de força, como se a bala substituísse inteligência, prevenção e coordenação federativa. Abre-se espaço para soluções fáceis, violentas, utópicas, ingênuas ou autoritárias. E o problema persiste, como uma ferida aberta a doer diariamente em toda a nação.
O Brasil fecha 2025 melhor do que muita gente admite, mas entra em 2026 mais tensionado do que deveria. A COP30 elevou o papel do país, mas o orçamento fragmentado rebaixou a ideia de governo. A judicialização virou muleta; a segurança pública vira uma ansiedade diária. As famílias seguem endividadas, e juros altos tornam essa travessia mais dura. O calendário, com Copa do Mundo e eleição, pode empurrar tudo para depois. Só que o “depois” é exatamente onde o Brasil costuma esconder o que é difícil e o que cobra decisão no presente. O ano de 2026 pede, da sociedade e do governo, maturidade e coragem para enfrentar os problemas difíceis. Se são complicados, ao menos sabemos muito bem nomeá-los.