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Papa: leão sobe em circo

Prevost é norte-americano, de vivência latina, sensibilidade pastoral e experiente em tecer pontes

Só há dois eventos de tempos em tempos em que o mundo se volta com tanta atenção para as “chaminés” . E antes que a “quinta série” que nos habita faça a piada infame sobre: o papa da Igreja e o “Papa-i” Noel: Habemus Papam. Que grata surpresa! Um papa com nome de bicho, “leão”! O que pode soar, num primeiro momento, mesmo esquisito, mas cuja alcunha já vem a calhar.

Frei Leão, era o nome do amigo de São Francisco. Parceiro de suas boas histórias, testemunha de sua simplicidade e perfeita alegria. O Francisco mais próximo de nós, o Papa, do céu parece ter enviado um amigo para dar continuidade à sua herança de simplicidade e de compaixão. A alusão é clara ao Leão XIII, papa da virada, da transição do século XX, da Rerum Novarum, da crítica à industrialização que oprimiu os operários, ao fetiche pelo acúmulo e pela exploração, ao comunismo que reduz o mundo ao materialismo e os dramas humanos a conflitos de classes.

Esperava-se, no resultado do Conclave, um Pontífice que fosse diplomata, italiano, conciliador, mas os cardeais (o Espírito! ) parecem ter transbordado a medida. Robert Francis Prevost é melhor que a encomenda: norte-americano, “pero no mucho”, de vivência latina, sensibilidade pastoral, experiente em tecer pontes. Leão XIV é agostiniano, portanto, sabedor de que não há verdade e amor sem unidade, de que a política é uma forma autêntica de caridade, de que razão e fé são como que dois pulmões com os quais se respira, tal como ensina Sto. Agostinho.

Depois do grande Papa Francisco, um pastor com traços Lucanos, o que se verificava em seu insistente pelos temas caros ao terceiro evangelista, que são a pobreza, os marginalizados, a compaixão, ao que parece, a providência nos lega um papa dos Atos dos Apóstolos. A referência aqui é de que: assim como, o Evangelho de Lucas e os Atos dos Apóstolos são momentos diferentes de um mesmo autor (em sentido verdadeiro o mesmo evangelista, em sentido principal o próprio Deus) e de uma mesma história (a história da Igreja primitiva), o Espírito parece estar escrevendo em “Francisco” em “Leão” uma mesma “obra” em duas partes.

Nas Escrituras, o que no quarto evangelho é vivenciado pelo Cristo, seu amor, seus ensinamentos, seu despojamento, sua abertura aos pagãos, torna-se “prático” (At 2), testemunho (At 3), tensão e doutrina (At 15) nos Atos dos Apóstolos. Se Francisco era Lucano, Leão XIV, tem a função de ser “apostólico”. Os sinais corroboram fortemente para isso na medida em que se elege um perfil de conciliação, já que por anos Robert Prevost foi superior provincial, ele possui formação em Direito Canônico, portanto, tem consciência de quanto é importante a clareza acerca das leis na “arrumação” da casa, sabe da relevância da sinodalidade, mas com “aquele tempero” de quem, tendo sido do Dicastério guardião de todas a nomeações episcopais ao redor do mundo, compreende muito bem que não há consenso nem caminho - ὁδός (hodós) - exitoso na Igreja, sem o convencimento e a colegialidade muito bem afinada entre os bispos.

Os desafios impostos são inúmeros. Isso num mundo e numa Igreja em que consensos não são simples. O genuíno entusiasmo pela nova “gestão” não nos permitiria ignorar o fato de que não será fácil, em tempos de tantas guerras, encontrar as vias de uma “paz desarmada e desarmante” (Leão XIV) . O lema agostiniano, e antes de tudo lucano, de “um só coração e uma só alma” (At 4,32) nunca esteve a mercê de ser tão testado. Se há vários caminhos que levam a Roma, um coração se compõe de várias artérias, de átrios, de veias e de cavidades. Cada batida sua requer sincronia, energia, dilatações cuja manutenção não é pouco complexa.

Em tempos de divergência, de polarizações, de guerras e de incertezas, nos quais vemos em lideranças mundiais o adágio de que “homo hominis lupus” (o homem é lobo do homem) (Hobbes), só mesmo um leão! Só alguém com otimismo sobrenatural, com simplicidade evangélica, com a força do alto, para assumir missão tão nobre...Só mesmo pela caridade (o amor) que inflama a alma dos mártires! Parafraseando o ditado latino: se o leão é mais forte que o lobo, lobos não sobem em circos...

Vida longa, então, no picadeiro, no novo “circo” de Nero, nessa era de incertezas e de mudanças, ao Santo Padre, Servo dos servos Deus: Leão XIV, mensageiro da paz e da unidade, amigo de Francisco!

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Pró-reitor de comunicação do Santuário Basílica Nossa Senhora da Piedade. Ordenado sacerdote em 14 de agosto de 2021, exerceu ministério no Santuário Arquidiocesano São Judas Tadeu, em Belo Horizonte.

A opinião deste artigo é do articulista e não reflete, necessariamente, a posição da Itatiaia.