Após a partida desse homem que marcou, sem dúvidas, o nosso tempo, nossa curiosidade passa a morar numa pergunta: quem elege o Papa? Bom, não é possível decifrar se essa dúvida é fruto de receios ou ansiedades. Por um lado, alguns temem que escolha seja um retrocesso. Isso fazendo de um ministério, cuja função profética é realizar, no amor concreto, aquilo que se crê pela fé, uma das outras mobílias do Vaticano, tal como o mármore frio de um escultor renascentista, ao qual sobra estética, mas falta alma. Por outro lado, há aqueles que entendem que, em tempos de incerteza como sãos os nossos, é preciso tomar cuidado com os “progressismos”. Isso dado que o relativismo implode com muitas coisas ruins, mas também leva as boas, deixando a terra arrasada e sem nada. “A modernidade costuma apodrecer tudo o que toca” (Pondé).
Posto isto, está bem: mas e quem elege o papa? A tentação seria responder em duas vertentes: uma mais “inocente”, a outra mais “cínica":
A resposta mais “inocente” seria aquela própria de quem tem uma visão romântica do que é o papado. Não há dúvidas, para os católicos, que a missão do Papa é um encargo divino. Não se pode pensar a fé cristã sem um papa. Inclusive se a pessoa for protestante, dessas com a bíblias, com zíper e tudo, de baixo no braço. Isso porque as Escrituras não nasceram prontas. Foram os Concílios e os “papas” que discerniram e definiram quais livros da Bíblia foram ou não inspirados.
A questão, todavia, não é tão simplória. Isso, pois, se o papa é uma “escolha do Espírito Santo”, onde estava a Terceira Pessoa da Trindade na eleição de um João XII, ou de Alexandre VI. E para que esse escrito não seja acusado de heresia, tomemos as palavras de alguém que se tornou papa: ninguém mais ninguém menos do que Joseph Ratzinger (Bento XVI). Ao ser questionado sobre o tema, ele assevera que há papas que o Espírito Santo não teria, naturalmente, escolhido. O Espírito Santo não assume exatamente o controle da eleição. À maneira de um educador Ele dá espaço para a liberdade. A garantia que ele oferece é que a coisa não ficará arruinada. Com base nessa lúcida reflexão, podemos dizer nós que a eleição do Pontífice é uma obra feita a várias mãos. A ação de Deus, claro, mas levando-se em conta o cenário atual, os desafios da Igreja, aquilo que se entende como necessidade profética no momento atual.
A resposta mais “cínica”, em sentido diverso, seria aquela de pensar os cardeais no Conclave como membros de facções políticas, guiados apenas por interesses particulares. Isso como se, na pessoa deles, estivesse representado tudo o que a Igreja Católica tem de pior, de contraditório, de esclerosado. Não obstante a Igreja, como qualquer instituição feita de homens, tenha seus avessos, há no colégio cardinalício insignes exemplos de homens de santidade e de comprovada virtude. Para não darmos a ideia de uma “campanha” velada, citando um nome atual, pensemos na inspiradora vida do Cardeal Van Thuân, um dos grandes luzeiros do século XX.
É preciso atestar, com algo mais do que fé, ou seja, com razoabilidade e com bom-senso, que há entre os cardeais insignes exemplos de despojamento, de dedicação, de pobreza e de santidade de vida... É lúcido, nessa perspectiva, optar por uma terceira via, qual seja: sem saber exatamente “quem e como se elege um papa”, poder com os olhos abertos, para além do espetáculo e do fetiche de um Conclave, contemplar a grande beleza do que significa o ministério petrino para a vida do mundo.
Muitos sãos os títulos de um papa: Sumo Pontífice, Vigário de Cristo, Bispo de Roma, mas certamente, o que for o sucessor de Francisco, dada a sua herança e o seu legado, de presença esperada e necessária nestes tempos de crise, terá de se a ver com o mais singelo dos títulos papais: Servo dos Servos de Deus.
Não, não é possível saber exatamente como se elege um papa. Mas é possível rezar muito para que ele seja um sinal da Verdade e do Amor de Deus entre nós. Que esse homem, em missão bela e tão ingrata, tome as sandálias do pescador. Seja dado, ao que virá em nome do Senhor, aquela lucidez que são Bernardo indica a seu amigo pontífice: lembrar-se que o papa não é sucessor de reis e de imperadores, mas de um pescador...