Solicitações sexuais para um menor de idade por meio da câmera do computador levaram um predador sexual de Porto Alegre (RS), que se apresentava com o codinome Pedro Dalsch, a ser preso e condenado por estupro virtual. A sentença, primeira do tipo no Brasil, é retratada no documentário “Estou processando o site que me deu match com meu agressor”, da BBC.
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A vítima tinha 10 anos quando entrou no site Omegle sozinho em 2015. A plataforma — cujo slogan é “Fale com estranhos” (“Talk to strangers”, no original) — oferece a possibilidade de manter conversas anônimas. O abuso foi descoberto pelo pai, que visitou as redes sociais da criança pelo computador que ambos usavam.
Ele, então, denunciou o caso ao Ministério Público do Rio Grande do Sul (MR-RS), que fazia parte de um sistema de combate à
A equipe identificou que o criminoso usava um computador ligado à internet de uma grande universidade do RS que tinha cerca de 2.600 computadores. Durante a apuração, o perfil de um estudante de medicina chamou a atenção: ele tinha produção acadêmica em sexologia e atuação voluntária em pediatria. “Isoladamente, são coisas boas, mas quando se está procurando alguém que tem desejo sexual por criança, são sinais de alerta.”
Com autorização de apreensão de equipamentos e quebra do sigilo de
Uma característica se sobressaiu: em vez de serem fotos de crianças do leste europeu, loiras de olhos claros, obtidas na deepweb, eram menores com nomes brasileiros e características latino-americanas. “Foi um sinal de que não era apenas um consumidor de pornografia infantil, mas de que estávamos diante de um predador sexual.”
Enquanto a investigação buscava comprovar que o estudante de medicina era responsável pelo perfil de Pedro Dalsch, ele foi preso preventivamente. Com base no que foi apreendido, a legislação brasileira permitia o enquadramento nos crimes de armazenamento de imagens de crianças e adolescentes em ato sexual ou de nudez e assédio sexual.
Para esses delitos, as penas previstas eram pequenas, entre um ano e quatro anos de reclusão. A confirmação de era ele quem trocava mensagens com uma criança de 10 anos, entretanto, fez Almeida atuar para conseguir uma condenação mais adequada.
Estupro de vulnerável
Segundo a legislação brasileira,
Almeida descreve uma decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que tratava de uma situação em que um adulto levou uma menina de menos de 13 anos a um motel. Lá, ele praticou masturbação enquanto a criança se despia, mas sem tocá-la. “O STJ considerou estupro, entendendo que o contato físico não era mandatório para a sentença: bastava que ambos estivessem no mesmo ambiente e que a ação de um satisfizesse o desejo sexual de outro”, explica. “Ali encontrei o conceito que eu precisava atualizar.”
A partir dessa descoberta, ele buscou aplicar a mesma tese no ambiente virtual. “A atualização era necessária, já que hoje, pela internet, conseguimos fazer comércio, trocar afeto, transmitir documentos, entre outros — e tudo isso tem validade”, avalia. “A conclusão lógica é que também se pode praticar sexo por internet e, portanto, colocar um menor em situação de vulnerabilidade. Parece óbvio, mas ainda não existia condenação parecida.”
Apesar da resistência de alguns colegas do MP, que não acreditavam totalmente na tese, a equipe do promotor seguiu com a denúncia. “Decidimos processar o homem pelo crime de estupro virtual, porque ele estava no mesmo ambiente que a
Tatiana Gischkow Golbert, juíza da 6ª Vara Criminal do Foro Central de Porto Alegre, condenou o réu por aquisição, posse ou armazenamento de material pornográfico e aliciamento/assédio para levar criança a se exibir de forma pornográfica, ambos previstos no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), bem como conjunção carnal ou outro ato libidinoso com menor de 14 anos, praticado no meio virtual.
Ela reconheceu na sentença que o relacionamento fazia que a vítima estivesse à disposição do condenado e seus anseios sexuais. “Os atos foram perpetrados mediante interação em tempo real em que o réu transcendeu de um comportamento de mero expectador para uma conduta ativa de cunho libidinoso com uma criança”, destaca.
O acusado foi condenado a 14 anos, dois meses e 11 dias de reclusão a ser cumprida em regime inicial fechado. A defesa, então, apresentou recurso ao tribunal: a condenação foi mantida, mas houve redução na pena, que foi estipulada em 12 anos, nove meses e 20 dias de reclusão.
A decisão é inédita e permite que outros casos obtenham a mesma condenação. “Consideramos a condenação justa, já que o crime sexual contra criança e
O que diz o Omegle
A BBC News Brasil procurou o Omegle — onde o contato entre a criança e o criminoso ocorreu — para obter posicionamento sobre o caso. O serviço diz que “leva a segurança dos usuários extremamente a sério” e modera o conteúdo. “Embora os usuários sejam os únicos responsáveis por seu comportamento ao usar o site, implementamos moderação de conteúdo que usa ferramentas de inteligência artificial e moderadores humanos contratados.”
O site informa, ainda, que o conteúdo indicado como ilegal, inapropriado ou em violação das políticas da Omegle pode levar a denúncias às agências de aplicação da lei. “Também colaboramos com organizações que trabalham para impedir a exploração online de crianças.”