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Estudo mostra que crianças não nascem prontas para usar tecnologias

Pesquisadores da UFLA indicam necessidade de inclusão na educação desde o ensino básico

Pesquisa aponta que crianças não nascem com aptidão específica para tecnologia

Você já deve ter ouvido falar que as crianças de hoje já nascem aptas a usar as tecnologias digitais. Basta dar um celular na mão delas e elas descobrem todos os recursos disponíveis no aparelho em minutos.

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Um estudo de pesquisadores do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Lavras (PPGE/UFLA) avaliou 210 estudantes (116 meninos e 94 meninas) do sexto ao nono anos. Os alunos têm entre 11 e 14 anos e são de uma escola municipal da região metropolitana de Belo Horizonte (MG).

Os estudiosos perceberam que a habilidade para usar as Tecnologias Digitais da Informação e Comunicação (TDICs) não é inerente a quem as manipula. Segundo eles, é preciso construir os conceitos relacionados à competência da atual geração em relação ao uso das TDICs e de letramento, inclusão e fluência digital.

Daniela Simone de Azevedo, uma das autoras da pesquisa, lembra que, embora essa geração seja conhecida como “nativos digitais” (nascidos a partir da década de 1990 que têm grande intimidade com tecnologia), seus integrantes precisam ser alfabetizados e desenvolver conhecimentos de base conceitual e procedimental. “A escola tem o desafio de letrar digitalmente os educandos, para a sociedade da informação e do conhecimento”, aponta.

A percepção de que crianças aprendem mais rápido que adultos sobre tecnologia ocorre graças a seu instinto de experimentação. “O que mais observamos é a diferença de comportamento entre os mais novos e os adultos”, conta Daniela. “A criança tem mais tempo para manipular as tecnologias. O adulto tem outras demandas e menos paciência.”

Não há comprovação científica da existência de nativos digitais mais capazes de manipular as tecnologias apenas por crescer entre elas. Para os pesquisadores, esse equívoco impede a inserção e o desenvolvimento de políticas públicas que favoreçam o desenvolvimento da capacidade tecnológica e das habilidades relacionadas ao uso consciente das TDICs.

O estudo mostra que as ações mediadas pelas tecnologias começam pela manipulação de dispositivos. Quando a criança brinca com um tablet, um celular ou um computador, ela assimila os processos relacionados àquele uso. O mesmo vale para o adulto: ao desenvolver uma habilidade, por curiosidade ou com a mediação de alguém, e repetir a ação, ele aprende.

Daniela destaca que crianças e adolescentes experimentam qualquer tipo de tecnologia. “Quando um adulto diz ‘ah, meu neto sabe mais do que eu’, é porque a criança pega, toca e tem coragem de brincar. Dali, por curiosidade, ela experimenta outras coisas. A aprendizagem acontece assim: um conhecimento já estabelecido liga-se a um novo e, dessa conexão, surge um novo conhecimento.”

Os autores da pesquisa reforçam que, a partir da repetição dos comportamentos, crianças e adolescentes adquirem competência tecnológica ou literacia digital. A lógica da aprendizagem segue por experimentação, erro, repetição e assimilação.

A facilidade de crianças e adolescentes para operar jogos e aplicativos vem justamente de repetição e erro: a partir dessas ações, eles aprendem e identificam os próximos passos. Isso porque, em geral, games e apps são intuitivos.

Já em atividades que envolvem ordenamento de ações, isso não ocorre, porque há instruções específicas a seguir. “Quando me falam que os jovens são melhores no uso das tecnologias, o que eu digo é: entregue a ele um propósito. Diga-lhe para realizar uma atividade escolar, uma inscrição, uma pesquisa de instituições em que quer estudar. Ele não fará isso de forma autônoma. Precisa de alguém para ajudá-lo”, aponta Daniela.

Aprendentes digitais

Atualmente, as TDICs estão presentes em diversos espaços, mas isso não significa que todos têm acesso a elas ou sabem utilizá-las. Entre os participantes da pesquisa, por exemplo, um estudante era da área rural. Até 2018, quando o levantamento foi iniciado, ele não utilizava computador ou celular, não tinha acesso à internet e não conhecia ou participava de redes sociais.

Um ano depois, durante as atividades práticas, o aluno relatou que havia ganhado um smartphone e usava a internet na escola. “Ele pediu ajuda para se cadastrar no Facebook e baixar o WhatsApp. Ele não sabia como usar aqueles recursos. Outros estudantes, mais familiarizados com as TDICs, se ofereceram para ajudar”, relata Daniela. “Em outro momento, de aula, esse mesmo estudante pediu ajuda para usar um tradutor online.”

Essas observações ajudam a entender a necessidade de atuar na inclusão do uso das TDICs na educação desde o ensino básico. É a prática, a partir de erros, acertos e mediação pedagógica, que permitirá que a competência digital seja adquirida.

Os resultados da pesquisa demonstram que não existem jovens autossuficientes no uso das TDICs. Como a aprendizagem é adquirida com a prática e a pesquisa, não se deve continuar a reproduzir o discurso sobre nativos digitais: todas as gerações podem aprender a utilizar essas ferramentas.

Os estudiosos apontam que deve haver investimento para que o uso das TDICs seja significativo e aproveite todas as possibilidades oferecidas. “De modo geral, ao analisar as categorias de habilidades para o uso de tecnologia, percebemos que não existe apenas uma competência geral que caracterize os jovens como nativos digitais”, informa Daniela.

O principal impacto da pesquisa é revelar a falácia da existência de nativos digitais e expor a necessidade de inclusão tecnológica em todos os ambientes de aprendizagem, não só nas escolas. “Não há outra opção para que a sociedade avance. As TDICs fazem parte da infraestrutura e estão de tal modo permeadas nas relações que é difícil compreender onde termina o material e onde se inicia o virtual.”