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Festa da Luz, Cura e mais: quem é a mulher por trás dos festivais culturais e urbanos que mudaram BH

Juliana Flores, de 40 anos, é uma das criadoras do Circuito Urbano de Arte (Cura), responsável por transformar a cara do Centro de BH; hoje, está à frente da Festa da Luz e do Morro Arte Mural (MAMU)

Juliana Flores, uma das criadoras do CURA, fala sobre sua paixão em levar arte para as ruas de BH

“Trabalhar na rua é minha paixão”. Foi no intervalo entre dois grandes projetos culturais de BH, Festa da Luz e o Morro Arte Mural (Mamu) que Juliana Flores, com poucas horas de sono, conversou com a Itatiaia.

Ela é uma das criadoras do Circuito Urbano de Arte (Cura), festival que coloriu as fachadas de prédios na cidade e transformou a rua Sapucaí, no bairro Floresta, Região Leste da cidade, em mirante de arte, local de rolês, ponto turístico. Contar a história dela é também contar sobre a cena cultural gratuita de Belo Horizonte nos últimos 10 anos.

Dos livros à produção cultural

Para entender como tudo isso começou, é preciso voltar no tempo e observar a relação da mineira com a arte. Criada em um ambiente rico em cultura, no bairro Nova Floresta, Juliana cresceu frequentando o Festival Internacional de Teatro (FIT) e outros festivais de inverno ao lado dos pais. Sua mãe, Rosana Montalverne, é contadora de histórias e fundadora da editora Aletria, da qual Juliana é cofundadora.

Juliana Flores e os pais Rosana Montalverne e Marcos Eduardo Flores

“É um acontecimento, minha mãe. Rodar o mundo, ser convidada para Festival Internacional de Contação de Histórias… Eu falo que fui criada pela melhor contadora de histórias do mundo. Isso, com certeza, me despertou muita coisa do ponto de vista criativo e do imaginário”, recorda Juliana.

Formou-se em Jornalismo, em 2000, na Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, e atuou em redações de jornalismo diário, como a Rede Minas. “Eu era muito apaixonada e minha mãe sempre me via jornalista pela vida toda”, conta.

Assista abaixo à entrevista completa;

Em 2009, Juliana e a mãe fundaram a editora Aletria. O primeiro livro lançado, “Bichos”, de Ronaldo Simões Coelho e Angela Lago, conquistou diversos prêmios, inclusive internacionais, e foi finalista do Prêmio Jabuti. Nesse período, ela também aprofundou sua pesquisa sobre ilustradores e o universo da imagem.

O primeiro livro lançado, “Bichos”, de Ronaldo Simões Coelho e Angela Lago

“Como editora de livros infantis, esse contato com a narrativa ilustrada, a pesquisa, a sensibilidade com as artes visuais… Tudo isso foi trazendo camadas de experiência e repertório para executar projetos que eu nem imaginava que viriam”, explica.

Mais tarde, iniciou sua trajetória na produção cultural, coordenando a primeira edição da Primavera Literária de BH, feira de literatura organizada pela Liga Brasileira de Editoras, que reuniu selos independentes, programação artística e encontros com autores.

Por volta de 2010, começou a apoiar, como produtora, o artista visual e muralista Thiago Mazza, na época, seu amigo. Ela diz que esse primeiro trabalho foi ainda de forma despretensiosa, apenas como uma “amiga ajudando artista”. A amizade evoluiu para namoro e depois casamento.

Do Carnaval ao Mirante da Sapucaí

A Praia da Estação e o ressurgimento do Carnaval de rua em BH, em 2010, foram um marco para a reocupação do espaço público com eventos. Além do Praia, outras experiências do período foram a Família de Rua com o Duelo de MCs debaixo do viaduto e a 1ª Virada Cultural.

Nesse contexto, Thiago Mazza comentou com Juliana sobre o desejo de pintar um prédio na capital. “Essa ideia do Thiago, somada à sugestão de uma amiga sobre criar um festival, me fez pensar: ‘Thiago, por que pintar um prédio se a gente pode fazer um festival?”

Arte de Thiago Mazza na 1ª edição do CURA BH

Em 2015, Juliana e as amigas Priscila Amoni e Janaína Macruz idealizaram o Cura (Circuito Urbano de Arte). Durante esse processo, Juliana enfrentou a perda de seu primeiro filho, Francisco, em uma gestação de nove meses. Em vez de se afastar do projeto, decidiu transformar o luto em força para o festival.

“Naquele momento só tínhamos um patrocinador, que não cobria nem metade dos custos. Eu, no meio do meu luto, falei: ‘Gente, vou colocar minha energia nesse projeto. Vai ser meu novo filho, minha nova gestação e parto. Vou parir outra coisa agora”, relembra. A primeira edição aconteceu em julho de 2017.

Ela explica que a proposta era conectar cultura com a geografia e paisagens da cidade. “Ao mapear empenas, olhamos para o mirante da Sapucaí e pensamos: ‘Uai, mas esse é um mirante lindo. E se virasse também um mirante de arte urbana?”, conta. A partir daí, foram escolhidas as primeiras fachadas. Thiago Mazza pintou um dos quatro primeiros murais do projeto — é aquele com um galo e uma raposa, representando o amor de BH pelo futebol e a rivalidade entre os dois principais times.

Desde o início, o Cura trouxe um protagonismo feminino inédito na cena de arte urbana, segundo a produtora cultural. “A gente via festivais com dez artistas homens e apenas uma mulher. No Cura, desde a primeira edição, tivemos paridade de gênero”, destaca.

Nesta semana, a 8ª edição acontece na Praça Raul Soares, com música, murais, performances e até atletas atravessando prédios a mais de 70 metros de altura no slackline. Juliana, no entanto, já não integra a organização. “Fico muito feliz de ver o Cura seguir. É um festival que tenho muito carinho, que me curou também”, diz.

Das tintas às luzes

Após o Cura, Juliana concebeu a Festa da Luz. A primeira edição aconteceu em 2021, inspirada em festivais europeus como a Fête des Lumières de Lyon, na França. “Logo no início eu falei: vamos criar uma Festa da Luz com DNA brasileiro, que seja a cara de Belo Horizonte. Brinco que é nossa renovação anual de votos de amor com a cidade”, diz. Na edição de agosto de 2025, o festival apresentou 13 instalações luminosas, 12 obras de projeção e festas sob o Viaduto Santa Tereza.

Juliana e os filhos, José, de 7, e Rita, de 4

O evento levou belo-horizontinos para o baixo Centro, que ficou abandonado por muito tempo. Famílias, inclusive com crianças, circularam pela região à noite, observando as esculturas luminosas e curtindo as atrações.

“Eu brinco que é o momento do BH Pride, do orgulho de ser belo-horizontino. A Festa da Luz tem esse poder de reunir todo mundo na rua, gente de 0 a 100 anos, de todos os jeitos, cores e formas. É lindo ver tanta diversidade compartilhando o mesmo espaço”, diz.

Do Centro à favela

2ª edição do MAMU; mural visível da Avenida Antônio Carlos, pintado pela artista Criola, um dos maiores nomes do graffiti no Brasil

Fim de um evento, início de outro. No dia seguinte à Festa da Luz, os andaimes já estavam montados, as latas de tinta chegavam sem parar e os equipamentos estavam prontos na maior favela de Minas: o Aglomerado da Serra, na Região Centro-Sul. Trinta e quatro casas foram escolhidas para formar o macromural coletivo da 4ª edição do Morro Arte Mural Urbano (Mamu), semelhante ao já existente no Morro do Papagaio.

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“O Mamu é um projeto que concebi logo após o Cura”, conta. Como a pintura das empenas tinha sido pensada para Centro de BH, Juliana afirma que seu sócio da época sugeriu que pensassem em um projeto para as periferias.

Além dos murais, o Mamu promove oficinas com crianças, atividades culturais e prevê uma festa de encerramento com artistas da própria Serra. A 4ª edição, iniciada em 18 de agosto de 2025, segue até 14 de setembro de 2025.

Os eventos já fazem parte do calendário oficial de Belo Horizonte. Juliana Flores conseguiu integrar à capital mineira intervenções urbanas, ocupação do espaço público, inclusão, diversidade, cultura e muita arte. “Eu brinco que não sou curadora, não me vejo como curadora de arte. Me vejo como realizadora de projetos e mediadora de arte no espaço público”, afirma. Ela é, sobretudo, uma amante das ruas de BH.

2ª edição do MAMU; macromural da artista capixaba Kika Carvalho em 40 casas, inspirado na série “Brasões” e com imagens de pipas que remetem a símbolos afro-diaspóricos

Formou-se em jornalismo pela PUC Minas e trabalhou como repórter do caderno de Gerais do jornal Estado de Minas. Na Itatiaia, cobre principalmente Cidades, Brasil e Mundo.