Ele já esteve na linha de frente. Erguido em bronze, baioneta em punho, peito apontado para o horizonte, representava os mineiros que cruzaram o Atlântico rumo à Itália para combater o nazifascismo na Segunda Guerra Mundial. Era o pracinha da Força Expedicionária Brasileira — e estava ali, firme, na Praça Rio Branco, bem em frente à rodoviária de Belo Horizonte. Hoje, não está mais.
O monumento foi inaugurado em 1949, apenas quatro anos após o fim da guerra. A ideia partiu de ex-combatentes, que queriam homenagear os companheiros mortos nos campos de batalha. A escultura, assinada por João Scuotto, mostrava um soldado em marcha, sobre base de granito. A inscrição era clara: “Sejam os vivos dignos dos mortos que… lutaram até o fim… pela honra da nação e o ideal de liberdade”.
A Praça Rio Branco foi seu primeiro lar. Na época, era um dos pontos mais movimentados da cidade, porta de entrada de viajantes, praça de encontros e despedidas. A homenagem estava bem posicionada: visível, respeitada, simbólica. Só que a cidade mudou — e o monumento precisou sair dali.
Com a remodelação da área central e obras viárias nos anos 1980, o soldado foi removido. Em 1981, apareceu na Praça Carlos Chagas, em frente à Assembleia Legislativa. A nova localização era institucional, mas fria. O monumento perdeu visibilidade. Os veteranos reclamaram. Não queriam que a memória da guerra desaparecesse nos cantos de um jardim burocrático.
Eram tempos de redemocratização. O clamor por visibilidade histórica foi ouvido. Em 1986, o pracinha foi transferido para a Praça Afonso Arinos, bem no coração da cidade. Ali, por mais de duas décadas, o monumento resistiu. Sob chuva e sol, sob o olhar de estudantes e de turistas, manteve sua vigília silenciosa. Até que a cidade, mais uma vez, deixou de cuidar.
Vieram os furtos. Levaram a baioneta. Roubaram as placas. O rosto do soldado foi pichado. O granito, riscado. Em 2012, para evitar a completa destruição, decidiu-se pela retirada. A estátua foi transferida para a Avenida Francisco Sales, no bairro Floresta, em frente ao Museu da Força Expedicionária Brasileira. Ganhou proteção, câmeras, vigilância e companhia: um canhão de 155 mm fabricado em 1944, cedido pelo Exército Brasileiro.
Mesmo ali, o soldado ainda não parecia ter encontrado repouso definitivo. Em 2019, o Museu da FEB mudou de sede. O monumento foi junto. Hoje, está na Rua dos Tupis, 723, numa galeria discreta no centro de Belo Horizonte. Protegido por paredes e memória, ele permanece em pé, ainda marchando. Não mais na praça, mas entre fotos, documentos, capacetes, diários de guerra. Está seguro — mas menos visto.
Essa é a peregrinação do pracinha mineiro. Da praça à sala, da visibilidade ao recolhimento. De um lugar de passagem para um espaço de preservação. A estátua continua entre nós, embora muita gente não saiba onde encontrá-la. E essa é a pergunta que atravessa o vídeo: por que a cidade tem tanta dificuldade em manter viva a memória dos seus?
Não se trata apenas de um monumento de bronze. Trata-se do pacto civilizatório que ele representa. Do risco de apagar histórias que moldaram o país. Do valor que damos — ou não — a quem lutou, sangrou e morreu sob bandeira brasileira.
Em tempos de negacionismo, de revisionismo histórico e de banalização do heroísmo, talvez seja hora de redescobrir esse soldado. Não como relíquia de guerra, mas como sentinela da democracia. Enquanto ele estiver de pé, a cidade ainda tem chance de lembrar por que vale a pena resistir.
E por tudo que carrega, mesmo sem praça e sem aplauso, esse soldado é — e sempre será — a cara da cidade.