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Acordo de Brumadinho: instituições de Justiça e Aedas divergem sobre uso de recursos de reparação

Segundo órgãos de Justiça, a Associação Estadual de Defesa Ambiental e Social (Aedas) teria comprometido recursos da reparação; Aedas nega com veemência

Fachada do prédio do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG)

O Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), o Ministério Público Federal (MPF) e a Defensoria Pública de Minas Gerais apontaram irregularidades na aplicação de recursos e ações de reparação na forma acordada e em benefício das pessoas e comunidades atingidas pelo desastre do rompimento da Mina Córrego do Feijão, em Brumadinho — que deixou 272 mortos em 2019 —, por parte da Associação Estadual de Defesa Ambiental e Social (Aedas), assessoria técnica que atende a região. Em nota, a Aedas negou veementemente as irregularidades e alegou falta de diálogo dos órgãos de Justiça.

Em comunicado, as instituições de Justiça afirmaram que um processo administrativo conduzido por elas identificou diversas irregularidades, tais como:

  • A compra, pela Aedas, de imóvel em Belo Horizonte, com recursos da reparação da região atingida;
  • Contratação de consultoria em favor de empresa de um ex-funcionário;
  • Uso indevido do fundo de reserva, valor este que deveria ser devolvido ao final do trabalho para as pessoas atingidas e para a reparação, para compra de carros e do imóvel para a assessoria.

Segundo o documento, as irregularidades constatadas comprometem os recursos da reparação, assim como a confiança no trabalho desenvolvido pela Aedas.

Como consequência da suposta irregularidade, MPMG, MPF e Defensoria Pública decidiram aplicar a sanção de rescisão do Termo de Compromisso de assessoramento técnico independente, firmado em 17 de julho 2023 com a Aedas. As instituições também decidiram dar publicidade da decisão em seus canais de comunicação, como medida de transparência e controle social.

Além disso, foi fixado o prazo de dez dias úteis para que a Aedas apresente plano de restituição dos recursos utilizados indevidamente e plano de trabalho para o período de 60 dias até a desmobilização total e encerramento dos trabalhos, a contar da data desta decisão.

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A Aedas apresentou defesas administrativas, solicitando a extinção do processo por incompetência do foro administrativo, e de mérito, alegando que não houve irregularidades. Porém, a Justiça entendeu que as alegações não se sustentavam.

Novo processo seletivo será instaurado

O comunicado do MPMG, MPF e Defensoria Pública de MG informa, ainda, que “as Instituições de Justiça iniciarão procedimento para nova seleção de entidade para assessoramento técnico nas regiões 1 e 2, com ampla divulgação e para que as pessoas atingidas possam escolher nova entidade, habilitada a atender efetivamente às necessidades da população atingida”.

Aedas nega acusações e critica processo

Em nota publicada em seu site oficial, a Aedas, que tem atuação comunitária desde o ano 2000, negou as acusações e questionou os órgãos de Justiça pela condução do processo.

A associação afirmou que “vem tomando as medidas legais cabíveis para que um processo administrativo sem fundamento ou razão de ser, não prejudique de forma profunda a instituição e o direito das pessoas atingidas”.

Leia o comunida de MPMG, MPF e Defensoria Pública na íntegra:

COMUNICADO N. 30 DE 05/09/25

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL e a DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE MINAS GERAIS, abaixo denominadas “Instituições de Justiça”, COMUNICAM às comunidades e pessoas atingidas pelo desastre da Vale, na Mina Córrego do Feijão, em Brumadinho, o seguinte:

1. As Instituições de Justiça têm a função de fiscalizar o Acordo de Reparação Integral, visando à aplicação de recursos e ações da reparação na forma acordada e em benefício das pessoas e comunidades atingidas.

2. No cumprimento dessa função, as Instituições de Justiça iniciaram processo administrativo para apurar os fatos (1500.01.0256100/2025-76), assegurada ampla defesa e contraditório a AEDAS, oportunidade na qual foram constatadas as seguintes irregularidades:

a compra, pela AEDAS, de imóvel em Belo Horizonte, com recursos da reparação da região atingida;

contratação de consultoria em favor de empresa de um ex-funcionário;

uso indevido do fundo de reserva, valor este que deveria ser devolvido ao final do trabalho para as pessoas atingidas e para a reparação, para compra de carros e do imóvel para a assessoria.

3. As irregularidades constatadas comprometem os recursos da reparação, assim como a confiança no trabalho desenvolvido pela referida assessoria.

4. Diante dos fatos, as Instituições de Justiça decidiram:

Aplicar a sanção de rescisão do Termo de Compromisso de assessoramento técnico independente, firmado em 17/07/2023 com a AEDAS, conforme previsão do referido Termo.

Dar publicidade da decisão nos canais de comunicação das Instituições de Justiça, como medida de transparência e controle social, conforme previsto na Cláusula 7ª do Termo de Compromisso e na Lei Estadual nº 23.795/2021.

5. As Instituições de Justiça iniciarão procedimento para nova seleção de entidade para assessoramento técnico nas regiões 1 e 2, com ampla divulgação e para que as pessoas atingidas possam escolher nova entidade, habilitada a atender efetivamente às necessidades da população atingida. O MPMG, MPF e DPMG colocam-se à disposição para esclarecimentos e informam que realizarão agenda com as pessoas atingidas para dialogar sobre o processo de escolha da nova ATI.

MINISTÉRIO PÚBLICO DE MINAS GERAIS

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

DEFENSORIA PÚBLICA DE MINAS GERAIS

Leia o comunicado da Aedas na íntegra:

A Associação Estadual de Defesa Ambiental e Social (Aedas) vem, por meio desta nota, se manifestar com muito pesar e consternação sobre a decisão e publicação das Instituições de Justiça (IJs) em relação ao procedimento administrativo que corre na Secretaria de Planejamento e Gestão do Governo do Estado de Minas Gerais – SEPLAG, ocorrida ontem, 05 de setembro de 2025.

Esta instituição sempre prezou pela lisura, economicidade, legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, eficiência e boa gestão dos recursos da reparação. Prova disso é o fato de que o Projeto Paraopeba, tem a aprovação muito próxima de 100% de suas contas pela auditoria EY, acima da razoabilidade de asseguração que é de 80%.

Afirmamos com completa segurança técnica e jurídica: não houve qualquer irregularidade ou desvio de finalidades praticado pela Aedas no uso dos recursos do Fundo de Reserva do Projeto Paraopeba.

A auditoria não identificou irregularidades na execução dos recursos. O que em verdade ocorreu foi uma consulta da EY às IJs sobre a interpretação e aplicação do uso dos recursos do Fundo de Reserva. Ou seja, a auditoria analisou as movimentações e para seguir com os trâmites de avaliação da prestação de contas solicitou às IJs o entendimento sobre a cláusula do Fundo de Reserva do Termo de Compromisso de 17 de julho de 2023.

Além disso, importante frisar que a CAMF emitiu pareceres inconsistentes que foram refletidos na decisão das IJs. Em relação à Coordenadora Metodológica, cabe ressaltar que não se faz necessário qualquer apontamento, já que está evidente a forma como vem conduzindo o processo de acompanhamento desta Assessoria sendo, inclusive, oficiada pelo juiz a corrigir seus estudos sobre a Aedas.

O procedimento administrativo foi inaugurado em momento em que a Aedas participava de mesa de diálogo com as IJs e CAMF. Momento este que nos posicionamos de forma contrária à ausência de isonomia na proposta de alocação de recursos financeiros para as Assessorias Técnicas Independentes (ATIs) atuantes na Bacia do Paraopeba, prejudicando o direito das pessoas atingidas à ATI nas Regiões 1 e 2. Tal tema já foi objeto de apreciação e decisão judicial, cujo conteúdo corrigiu distorções existentes.

É fundamental ressaltar que o Fundo de Reserva previsto no Termo de Compromisso deve ser utilizado pela instituição para cobrir gastos com custos indiretos, despesas imprevistas, contingências e indenizações a terceiros, necessárias à execução das atividades do Acordo. Conforme previsto na própria cláusula que institui o Fundo de Reserva, o valor deve ser utilizado para atividades do acordo em despesas que compreendem o fortalecimento institucional, conforme o que se segue:

“Cláusula 4ª. Fundo de reserva

4.1. Fica instituído um fundo de reserva destinado a cobrir eventuais gastos com custos indiretos, despesas imprevistas e extraordinárias, contingências e indenizações a terceiros necessárias à execução do objeto previsto na Cláusula 1ª ou dele decorrentes.

4.1.1. O fundo de reserva será constituído por um percentual de até 7% (sete por cento) descontado de cada parcela referida na Cláusula 3ª, sendo previsto no Plano de Trabalho e depositado em conta bancária específica, de titularidade da Assessoria Técnica Independente e vinculada ao presente instrumento.

4.1.2. O Fundo de que trata esta Cláusula 4ª deve ser usado estritamente para as atividades relacionadas à execução do acordo judicial e compreende despesas destinadas ao fortalecimento institucional da ASSESSORIA enquanto entidade sem fins lucrativos, voltadas a contribuir para o desempenho de seus objetivos, sua missão e seus objetos gerais previstos nos seus estatutos sociais, atinentes às suas atividades institucionais, podendo ser usada para o pagamento, entre outras, de despesas relativas à sua estrutura, aquisição de bens e equipamentos, prestação de serviços, impostos, taxas e despesas de pessoal, encargos e benefícios, bem como custear quaisquer contingências e despesas extraordinárias que não devam ser diretamente custeadas pelos recursos alocados na Conta Vinculada para a execução das ações previstas no PLANO DE TRABALHO.”

Um outro ponto fundamental relacionado ao fundo de reserva diz respeito à sua natureza, que corresponde à de Taxa Administrativa, ou seja, um recurso destinado ao fortalecimento das instituições sem fins lucrativos que atuam como Assessoria Técnica Independente. A inexistência de recurso com esse caráter compromete a execução dos projetos sob responsabilidade da instituição, por implicar riscos institucionais. Ademais, o Termo de Compromisso prevê o uso do fundo vinculado à execução do Acordo. Importante reafirmar que não há qualquer irregularidade no uso dos valores pela Aedas e, inclusive, os mesmos, serviram justamente ao fortalecimento institucional contextualizado na melhor execução do Acordo, como se evidencia adiante.

A instituição adquiriu um imóvel sede, se utilizando de recursos do Fundo de Reserva do Projeto Paraopeba por razões de custo indireto, já que, após a finalização do projeto, os dados, informações e documentos produzidos pelo projeto no assessoramento ao Acordo, deverão ser armazenados e geridos. Para isso é necessário um espaço físico próprio para que possamos cumprir o que dispõe o art. 205 do Código Civil, regra geral do prazo de prescrição de dez anos. Caso dados e informações sejam solicitados pelas pessoas atingidas ou mesmo pela justiça, a Aedas tem obrigação legal de atender tais solicitações, não sendo razoável ou possível deixar que o que foi construído e sistematizado se perca.

Destacamos que é no imóvel adquirido que se alocará o servidor com todas as informações levantadas pela Aedas e que, com o término do Projeto Paraopeba, estas deverão ser mantidas adequadamente, sobretudo para resguardar as próprias pessoas atingidas. Além disso, foi feita análise de viabilidade econômica e o valor a ser gasto com aluguel pelo período de armazenamento necessário é maior que o valor empenhado na aquisição do imóvel. Ou seja, trata-se de uma ação que se respalda, sobremaneira, nos princípios de economicidade e da boa gestão de dados da reparação.

Outro ponto levantado pelo processo administrativo é a contratação de uma consultoria especializada para a construção de uma Política de Conduta e Ética no Ambiente do Trabalho – PCEAT, configurada como custos indiretos e não previstos. Tal contratação é indispensável ao Projeto Paraopeba e de extrema importância para que a Aedas siga executando de forma qualificada e cada vez mais profissionalizada as suas atividades, capacitando seus trabalhadores e trabalhadoras, e atuando de forma preventiva e corretiva no enfrentamento à possíveis práticas de discriminação e preconceito, a fim de promover um ambiente de trabalho ético, seguro e produtivo.

Um processo como este é de fundamental importância para qualquer instituição que atue no processo reparatório e na defesa de direitos humanos, uma vez que é por meio de tais políticas que se estabelece, de forma procedimental, regras de conduta e medidas para situações antiéticas, como possíveis fraudes, assédios, discriminações. Além disso, a contratação também responde a obrigações legais vinculadas a normativas do Ministério Público do Trabalho (MPT). Não há qualquer irregularidade na contratação, ainda menos desvinculação da mesma à execução do Plano de Trabalho. É com surpresa que somos interpelados por tal decisão, quando a construção de políticas de conduta e ética no trabalho deveria ser objeto de incentivo.

Por essas razões, não se faz pertinente apontar qualquer descumprimento do Termo de Compromisso ou mesmo suposições de irregularidades, que são inexistentes. A questão central está na interpretação em relação às cláusulas do Termo de Compromisso o que, de forma alguma, justifica a abertura de um procedimento administrativo, a aplicação de penalidades ou mesmo a tentativa de desmoralização da instituição, que vem fazendo uma defesa rigorosa e contundente dos direitos das populações atingidas em todo seu histórico de atuação. Inclusive, implementando, ampliando e aprofundando formas de monitoramento, gestão e transparência.

Ao sermos acionados via procedimento administrativo solicitamos formalmente uma reunião com as IJs, o que não foi atendido. Seguiu-se assim a decisão de aplicação de penalidade sem qualquer oportunidade de diálogo, o que para a instituição é lastimável, pois entendemos que o diálogo entre atores que estão envolvidos na reparação, sobretudo os que se interessam em proteger o direito das pessoas atingidas, é premissa, princípio e valor.

Não menos importante é o fato de que o próprio Termo de Compromisso ainda prevê em sua cláusula 7.5 que “O procedimento de prestação de contas seguirá o rito estabelecido no Termo de Compromisso firmado entre as mesmas partes em 13 de fevereiro de 2020, nos autos do processo nº 5010709-36.2019.8.13.0024, em trâmite perante o Juízo da 2ª Vara da Fazenda Pública e Autarquias de Belo Horizonte/MG, com as ressalvas do item 7.1.”.

Ou seja, neste rito indicado, dispõe o Termo de Compromisso anterior, ainda vigente neste ponto em sua cláusula sétima:

§7°. Caso as auditorias apresentem relatório que aponte irregularidades na auditoria contábil-financeira e/ou na auditoria finalística, que possam comprometer a efetiva prestação da assessoria técnica aos atingidos, as Instituições de Justiça, ouvida Coordenadoria Metodológica/Finalística, se considerarem tratar-se de motivo fundado e relevante para tanto, poderão suspender, integral ou parcialmente, os próximos aportes de recursos até a regularização da situação, sem prejuízo da adoção de outras medidas cabíveis, nos termos do presente Termo e da legislação aplicável.

§8°. Não sendo efetuada a regularização da situação no prazo e na forma previstos, as Instituições de Justiça, após a garantia de manifestação da ATI e da manifestação dos atingidos, poderão requerer ao Juízo a substituição da ATI.

É grave e lamentável que na ausência de apontamentos de irregularidades pela auditoria, as Instituições tenham optado por não dialogar, e não cumprir sequer o disposto no §8º acima exposto. É preocupante a publicização da comunicação pelas Instituições de Justiça de qualquer indicativo de má-fé ou má gestão dos recursos do Projeto Paraopeba, diante do que já foi aqui evidenciado. Todas as movimentações acima foram feitas com respaldo nas cláusulas do Termo de Compromisso de 2020 e 2023 aos quais a entidade está vinculada e em princípios de cuidado com os dados e direitos das populações atingidas, bem como dos trabalhadores e trabalhadoras que atendem a essa população.

Nesse sentido, aproveitamos a oportunidade para reforçar a permanente disposição institucional ao diálogo. Caso qualquer divergência sobre a interpretação do que está escrito nos Termos de Compromisso se apresentem, é de nosso entendimento que seria escolha muito mais adequada o diálogo e o alinhamento de leituras como ponto de partida, bem como o seguimento dos procedimentos estabelecidos, acolhendo inclusive a manifestação dos atingidos, e não um processo com caráter desmoralizador, que em nada agrega à perspectiva de construção da justiça.

As mesmas Instituições que estão levantando hipóteses de irregularidades por não concordarem com o uso do Fundo de Reserva para o fortalecimento institucional da Aedas, já se posicionaram em outros processos de reparação do Estado de Minas Gerais em favor e pela necessidade da existência de mecanismos de fortalecimento das instituições sem fins lucrativos que atuam pela reparação da população atingida, o que evidencia contradições.

Não menos importante é informar que, diante da ausência de abertura para entendimento conjunto sobre a cláusula pactuada com as próprias Instituições de Justiça, a Aedas vem tomando as medidas legais cabíveis para que um processo administrativo sem fundamento ou razão de ser, não prejudique de forma profunda a instituição e o direito das pessoas atingidas.

Seguiremos firmes no cumprimento de nossa missão institucional, na defesa incansável dos direitos humanos e dos direitos das populações atingidas, sempre em luta por justiça e reparação!

Maic Costa é jornalista, formado pela UFOP em 2019 e um filho do interior de Minas Gerais. Atuou em diversos veículos, especialmente nas editorias de cidades e esportes, mas com trabalhos também em política, alimentação, cultura e entretenimento. Agraciado com o Prêmio Amagis de Jornalismo, em 2022. Atualmente é repórter de cidades na Itatiaia.