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Primo de ‘Coxinha’, autor de estupros em série em BH, desabafa sobre prisão ao ser confundido com criminoso

Em entrevista exclusiva à Itatiaia, o dançarino, que não tem passagens pela polícia, contou que está traumatizado; o verdadeiro ‘Coxinha’, Ronaldo Nobre dos Santos, foi preso nessa terça (23)

Ronaldo Nobre dos Santos foi preso na terça-feira (23)

Há pouco mais de um mês, um auxiliar de serviços gerais e dançarino, primo de Ronaldo Nobre dos Santos - criminoso conhecido como ‘Coxinha’ ou ‘Maníaco da Zona Oeste’, preso nessa terça-feira (23) -, passou três dias na prisão sem nunca ter cometido um crime. Em entrevista exclusiva à Itatiaia, ele relata ter dormido no chão, sentido frio e estar traumatizado após o episódio.

‘Coxinha’, que estava foragido desde 2018, foi preso em flagrante por causa de um roubo no bairro Floresta, na região Leste de Belo Horizonte, em fevereiro de 2023. Mas para evitar voltar a pagar a pena de 17 anos de prisão, ele fingiu ser outra pessoa dessa vez - ele apresentou o documento de identidade do primo, que nunca havia tido problemas com a Justiça, para a polícia.

Usando o nome do primo ele foi preso, julgado, condenado e chegou a cumprir parte da pena. Em fevereiro deste ano, ele ganhou o beneficio da saidinha temporária e não voltou mais. Por isso, o nome do primo ficou registrado no sistema judicial como foragido.

Em junho, ele foi abordado pela polícia, que verificou que havia um mandado de prisão em aberto contra ele. O primo disse que nunca tinha sido preso e explicou que Ronaldo havia roubado o seu documento de identidade. Mesmo assim, ele foi encaminhado a um Centro de Detenção Provisória, onde permaneceu por três dias.

“Eu não desejo isso para ninguém. É horrível. É horrível mesmo. É como se [você fosse] um cachorro preso numa grade toda fechada, sem ninguém por você. Mas, graças a Deus, minha família me ajudou bastante aqui fora enquanto eu estava lá. Eu dormia no chão porque lá não tinha uma cama confortável e também senti frio à noite”, conta o primo de ‘Coxinha’, que não será identificado na reportagem.

Após a polícia constatar o erro, um exame de datiloscopia (que analisa as impressões digitais) foi feito e confirmou a versão do primo. Mesmo depois de tudo esclarecido, o dançarino conta que está traumatizado e evita sair de casa.

“Eu estou traumatizado. Os policiais me ajudaram bastante, mas eu não saio mais na rua. Eu fico mais dentro de casa, na casa da minha tia, eu não saio para nada. Eu tenho medo de sair na rua, não das pessoas, mas dos policiais pararem, me abordarem e me levarem”, afirma.

O dançarino ainda conta que está tentando limpar o nome na Justiça, para evitar novas confusões. O advogado criminalista e presidente da Comissão de Processo Penal da Ordem dos Advogados em Minas Gerais (OAB-MG), Négis Rodarte, explica que ele pode processar o estado pelo erro.

“Ele pode abrir um processo contra o estado e pedir indenização por danos morais. Não há um valor estipulado, cabe ao judiciário estabelecer a quantia a depender da situação, de como a vida da vítima foi afetada”, esclarece.

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É possível uma pessoa ser presa usando o nome de outra?

Rodarte afirma que esse tipo de situação é mais comum do que se imagina. O especialista atribui a falha a falta de estrutura da Polícia Civil para realizar exames de datiloscopia, além da falta de uma legislação que obrigue a realização do exame em todas as prisões.

“Essa situação vêm expor de maneira drástica a falta de estrutura da Polícia Civil. A PC tem um déficit em realizar o exame de datiloscopia nas prisões em flagrante e preventiva. O exame só é feito quando há dúvidas da identidade do preso, mas haveria de ser uma regra. Esse é um erro básico, elementar. É um erro grosseiro e inaceitável. É revoltante. E infelizmente, a legislação é omissa quanto a isso”, opina.

O criminalista também afirma que o exame de datiloscopia só pode ser feito em Belo Horizonte, o que faz com ele seja ainda mais restrito.

“Na impossibilidade de fazer o exame, e havendo dúvidas da identidade do investigado, a polícia deveria buscar um perito em outras delegacias, e utilizar de outros meios de identificação, como fotos, relatos de testemunhas, para minimizar o risco de erro”, afirma o advogado.

O especialista ainda chama atenção para a sucessão de falhas da Justiça. Além da Polícia Civil ter prendido e indiciado Ronaldo com o nome errado, o Ministério Público também o denunciou sem perceber o erro. “O Ministério Público ao denunciar, verificando a possibilidade de erro, deveria ter requerido o exame imediatamente”, argumenta Rodarte.

“Olha o risco que todos nós estamos correndo. Imagina você ou um familiar acabar na cadeia porque alguém roubou a sua identidade e se passou por você para cometer crimes? E com toda a minha experiência como advogado posso dizer que isso acontece com frequência”, diz o criminalista.

Quem é ‘Coxinha’?

Ronaldo Nobre dos Santos foi condenado a mais de 17 anos de prisão por estupro, um homicídio, dois roubos, dois furtos e uma ameaça. Segundo a promotora do Ministério Público, Paloma Coutinho Carballido, ‘Coxinha’ também é investigado por outros quatros estupros em série - todos cometidos na região Oeste de Belo Horizonte -, e um estupro seguido de homicídio, crime praticado no bairro Betânia.

Em entrevista à Itatiaia, a delegada Larissa Mascotte, que lidera a investigação de três estupros cometidos por Ronaldo, afirmou que o homem tinha um modus operandi: ele costumava pular o muro ou o portão das casas das vítimas para atacá-las. Inclusive, o estupro pelo qual ele foi condenado em 2006 foi cometido da mesma forma. Porém, a vítima era uma tia dele.

Ministério Publico divulga imagens do Maníaco da Zona Oeste.

Ainda segundo a delegada, as vítimas de ‘Coxinha’ tinham entre 22 e 74 anos. Além de estuprá-las e roubá-las, o criminoso ainda tentou matar duas delas: uma teve o corpo todo cortado, enquanto a outra teve um corte no pescoço.

Ronaldo era usuário de drogas, estava em situação de rua e tinha vínculos familiares rompidos. Por isso, os investigadores tiveram dificuldade para encontrá-lo. ‘Coxinha’ foi, então, incluído pelo Ministério Publico na lista do programa PMMG Busca e era procurado pelas forças de segurança de todo o país.

Após a imprensa divulgar a imagem do criminoso, o MP recebeu uma denúncia anônima informando que ele estava internado no Hospital João XXIII, na região Central de BH. Ronaldo deu entrada na unidade no dia 17 de julho. Aos policiais ele afirmou que havia caído de uma árvore, mas os agentes acreditam que a versão possa ser falsa. Há a suspeita de que ele tenha sido agredido.


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Jornalista formado em Comunicação Social pelo Centro Universitário de Belo Horizonte (UNI-BH). Na Itatiaia desde 2008, é “cria” da rádio, onde começou como estagiário. É especialista na cobertura de jornalismo policial e também assuntos factuais. Também participou de coberturas especiais em BH, Minas Gerais e outros estados. Além de repórter, é também apresentador do programa Itatiaia Patrulha na ausência do titular e amigo, Renato Rios Neto.
Fernanda Rodrigues é repórter da Itatiaia. Graduada em Jornalismo e Relações Internacionais, cobre principalmente Brasil e Mundo.