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Vontade fraca

Aprendemos, por falta de treino no “paladar”, a querer aquilo de que não se precisa, o que não se devia, o que não se pode

A vontade é mais do que o desejo

Já nas primeiras páginas da Bíblia, há uma descrição sobre a natureza humana. Nascido do barro, o ser humano é feito à “imagem e semelhança” de Deus (Gn 1,27).

Por imagem, entenda-se que é chamado a representar o divino. Por semelhança, que ele age por analogia, ou seja, deve ser guardião e cuidador do que a bondade de Deus criou.

Há duas dimensões em nós nas quais esse “imagem e semelhança divinas” mais se expressa: em nossa inteligência e em nossa vontade. Não obstante, o fato de sermos matéria orgânica nos “irmane” com outros seres vivos, nossa consciência nos destaca em relação a todos esses.

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O “eu” que nos habita parte em direção às “coisas”. Percebemos, interpretamos, abstraímos. Nosso cérebro, de proporções tão pequenas se comparado ao peso do nosso corpo, tende a ter a medida do “mundo”. Dentro dele cabem bibliotecas inteiras, sentimentos, memórias e, alguns mais outros menos, cabe bastante asneira.

Com relação à vontade, o outro dom divino que nos é concedido, sabemos que o coração humano vive de procura. Andamos sempre insatisfeitos, à procura do “bom”, “do bem”, “do que faz bem”.

Crise na inteligência

Nos tempos que são os nossos, enfatiza-se muito a crise na “inteligência”. Estudos (de algum lugar!) comprovam que essa é a primeira vez que as gerações subsequentes tendem a ser menos inteligentes do que a que a precedeu.

Essa é a consequência de uma sociedade com excesso de estímulo, com informações rasas, com ausência de repertório. Estamos, todavia nos esquecendo de outro grande mal: a debilidade da “vontade”.

Vontade e desejo

A vontade é mais do que o desejo. O desejo é insubordinado, afetado pelo “hábito”. A gente se habitua a querer. Aprendemos, por falta de treino no “paladar”, a querer aquilo de que não se precisa, o que não se devia, o que não se pode.

Se o “querer” é uma” bruta flor” (Caetano Veloso), a vontade, em sentido diverso, é o movimento da alma em direção a um bem percebido pela “inteligência”. Por conseguinte, se estamos (seja-me permitido o excesso de coloquialidade) mais burros, estamos também mais débeis em nossa vontade. 

Numa cultura sem direcionamento, em que a noção do que é um “bem”, para além do que é “bom”, desidratou, sofremos do mal da “ vontade fraca”. Seguindo a perspectiva do filósofo santo (ou seria santo filósofo?) Tomás de Aquino, podemos afirmar: não estar em posse da própria vontade, não ter clareza sobre a finalidade de um desejo, faz-nos menos humanos. 

Claro, parafraseando Shakespeare, há mais coisas entre nós e a nossa vontade do que pode saber a nossa vã filosofia. Vale sempre reafirmar que o que a gente pensa que quer nunca será exatamente o que a gente realmente almeja.

Ah, e ajuda muito saber também que aquilo que a gente deseja pode não ser exatamente uma “vontade”, mas só carência mesmo. Em nós, reside uma criança que diz: “tudo o que eu quero, não o quero quando alcanço. Nunca quis o que realmente quisesse”. A vontade fraca é, pois, essa criança que quer o que não alcança e quando alcança quer não ter mais. 

E como se fortalece a vontade? Como educá-la, sobretudo, espiritualmente? Em primeiro, aprendendo apreciar o que se tem. “Quem deseja o que tem, tem tudo o que deseja”.

Em segundo, é preciso treinar-se para apreciar o que é realmente “bom” e direcionar as nossas ações para o que é o “bem”. Confundir esses dois conceitos adoece a vontade.

Em terceiro, meditação e oração, pois conexão com o Sagrado é fundamental. Lute por momentos de cultivo da vida interior: meditação, contemplação, os sacramentos. A gente fica menos pretensioso e inquieto quando se vê conectado a algo maior do que nós. Isso ajuda a saber que ainda que não seja como o planejado, tudo se ajusta na vida de quem encontra a meta de toda “boa vontade": amar e fazer bem.


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Pró-reitor de comunicação do Santuário Basílica Nossa Senhora da Piedade. Ordenado sacerdote em 14 de agosto de 2021, exerceu ministério no Santuário Arquidiocesano São Judas Tadeu, em Belo Horizonte.