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‘As marcas nunca vão se apagar': o relato da jovem vítima de abuso aos 3 anos

A cada hora, mais de três crianças sofrem algum tipo de violação, segundo dados da Fundação Abrinq. Dados apontam que 84% dos estupradores são conhecidos das vítimas

Mas autoridades alertam: os número de registros são subnotificações

“Os abusos aconteceram quando eu era ainda pequena, a partir dos meus 3 anos de idade… E se prolongou até a minha pré-adolescência. Foi quando eu decidi contar. Ele me ameaçava. Na época, eu e minha mãe éramos dependentes dele”.

Esse é o relato de uma mulher de 25 anos que teve a infância marcada por recorrentes abusos sexuais, praticados dentro de casa pelo próprio pai.

Nesta segunda matéria especial sobre ‘cultura do estupro’ produzida pela Itatiaia, a reportagem mostra que casos como o dela - que não ocorrem em um beco escuro por um estranho, mas dentro de casa, são os mais comuns. Dados apontam que 84% dos estupradores são conhecidos das vítimas: pais, tios, primos, maridos e namorados.

E os abusos podem começar cedo, ainda na infância: Dos 70% dos estupros registrados, a vítima é criança ou vulnerável. Os dados fazem parte do levantamento do Fórum Brasileiro de Segurança Pública

No caso da jovem ouvida pela Itatiaia, os abusos começaram quando ela tinha apenas 3 anos e ela ainda não entendia a violência que sofria. “Eu não tinha noção do que era, do que estava acontecendo. Só que, na medida que a gente vai crescendo, a gente vai vendo que tem alguma coisa errada”, relatou.

Aos 13 anos, ela contou para a mãe a violência que vinha sofrendo. “Contei pra minha mãe, ela pediu para eu gravar para ter uma prova. Gravei” contou.

Ela disse que gravou o momento em que pediu ao pai dinheiro para comprar um uniforme. “Ele disse que só me daria o dinheiro se eu deixasse que ele fizesse ‘aquele negócio’. Isso significava molestar durante a madrugada, quando minha mãe estava dormindo”, disse.

Após o episódio, mãe e filha foram para a delegacia e registraram um boletim de ocorrência. “Eles se separaram e eu não tive mais contato com ele”, contou. Mas, o agressor retomou e ela pediu uma medida protetiva.

“As pessoas questionam: ‘por que você não falou antes?’, ‘por que demorou tanto para contar?’ ‘se demorou (tanto para denunciar) é por que gostava?’ As marcas nunca vão se apagar. Elas sempre estarão ali, fazem parte da minha história”, lamenta.

A cada hora, mais de três crianças sofrem algum tipo de violação, segundo dados da Fundação Abrinq. Mas autoridades alertam: os número de registros são subnotificações.

“O estupro é um dos crimes menos reportados às autoridades. Apenas 10% dos casos são registrados. Então, é necessário encorajaras vítimas para que elas recorram até as delegacias para que as nossas instituições melhorem o acolhimento dessas vítimas”, acrescentou disse a delegada Cristiana Angelina, da Delegacia Especializada de Investigação à Violência Sexual de Belo Horizonte.

Cultura do estupro

Relativizar, silenciar ou culpar a vítima. Esses são comportamentos que alimentam a cultura que banaliza o crime de dignidade sexual e que, muitas vezes, vem de forma explicita em discursos em que coloca a vítima como a culpada pelo o que aconteceu. “A cultura do estupro reforça a ideia de que esses comportamentos podem ser interpretados como naturais ou normais. Se a gente criar, a gente pode mudar a cultura”, disse a delegada.

A delegada instrui que é importante que a sociedade também se indigne contra crimes que consiste em constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual.

“Não adianta a sociedade se incomodar apenas com os casos brutais de estupro. A violência também está presente na importunação sexual dentro do ônibus ou na fila do estádio de futebol… Então é necessário que a sociedade se conscientize e não só as mulheres”, disse.

Formou-se em jornalismo pela PUC Minas e trabalhou como repórter do caderno de Gerais do jornal Estado de Minas. Na Itatiaia, cobre principalmente Cidades, Brasil e Mundo.
Cursou jornalismo no Unileste - Centro Universitário Católica do Leste de Minas Gerais. Em 2009, começou a estagiar na Rádio Itatiaia do Vale do Aço, fazendo a cobertura de cidades. Em 2012 se mudou para a Itatiaia Belo Horizonte. Na rádio de Minas, faz parte do time de cobertura policial - sua grande paixão - e integra a equipe do programa ‘Observatório Feminino’.