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Trazida por escravizados, maconha foi de chá da rainha a medicamento antes de ser proibida no Brasil

Planta chegou a ter o cultivo incentivado pelo governo; droga só passou a ser reprimida e considerada ilegal a partir de 1930

Originária da África, maconha foi introduzida no Brasil a partir de 1549, com a chegada de escravizados

O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, nesta semana, descriminalizar o porte de até 40 gramas de maconha no Brasil. Apesar da decisão, a droga continua proibida no país. A compra, armazenamento, porte e consumo da maconha ainda são consideradas práticas ilícitas, mas as punições são de natureza administrativa, e não criminal. Ou seja, não há pena de prisão.

Ainda que o debate sobre o consumo da droga tenha voltado à tona recentemente, a história da maconha no Brasil é antiga e remonta a época da colonização. A planta foi introduzida no país a partir de 1549, com a chegada de africanos escravizados. Por isso, no século XVI, a erva era chamada de fumo-de-Angola.

“De uma certa maneira, a história do Brasil está intimamente ligada à planta Cannabis sativa L., desde a chegada das primeiras caravelas portuguesas em 1500. Não só as velas, mas também o cordame daquelas frágeis embarcações, eram feitas de cânhamo, como também é chamada a planta”, diz trecho do artigo “A história da maconha no Brasil”, escrito por Elisaldo Araújo Carlini, médico pioneiro no estudo da maconha medicinal.

Carlini chama atenção, inclusive, que o nome maconha, em português, é um anagrama (palavra formada pela reorganização das letras de outra palavra) de cânhamo.

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Uso recreativo se espalhou entre escravizados e indígenas

Depois de desembarcar no Brasil, não demorou muito para que o uso recreativo e o cultivo da maconha se espalhasse entre os negros escravizados e indígenas. A própria corte só foi se preocupar com a erva no século XVIII. Porém, ao contrário do que se imagina, o intuito não era reprimir o uso, mas incentivar a plantação da Cannabis sativa.

Em 1785, uma carta enviada ao Capitão Geral e Governador da Capitania de São Paulo recomendava o plantio de cânhamo “por ser de interesse da Metrópole”.

O uso não medicinal da maconha, porém, ainda não era uma preocupação da elite brasileira. Isso porque, até então, ela era usada apenas pelas classes sociais mais desfavorecidas. Apesar de que a rainha Carlota Joaquina, esposa de Dom João VI, afirmava tomar chá de maconha todas as noites após vir morar no Brasil.

Maconha medicinal começou a ser disseminada no Brasil

Nos anos seguintes, a planta começou a ser aceita pela classe médica e era usada para tratar diversas doenças. “Contra a bronchite chronica das crianças (...) fumam-se (cigarrilhas Grimault) na asthma, na tísica laryngea”, recomendava um relatório médico de 1888.

Traduzindo para o português dos dias atuais, o documento indicava a maconha para o tratamento de asma, bronquite crônica e infecção de laringe. Ainda no mesmo relatório, o médico alerta para um efeito colateral do consumo da planta: “Um dos seus efeitos mais ordinários é provocar gargalhadas”.

Imagem de uma propaganda dos cigarros Grimault

Os cigarros Grimault, citados no relatório médico, foram vendidos por muitos anos no Brasil. Em uma propaganda de 1905, o produto é indicado para asma, bronquite e doenças do pulmão. “A dificuldade em respirar e os roncos acabam quase logo. Produz-se uma expectoração abundantíssima, quase sempre em pouco tempo. Torna-se mais fácil a respiração, mais branda a tosse e um dormir reparatório. Afasta todos os sintomas assustadores”, diz a embalagem.

O início da repressão

A maconha só começou a ser reprimida no Brasil após a II Conferência Internacional do Ópio, em Genebra, na Suíça, em 1924. A reunião buscava discutir apenas questões relacionadas ao ópio e à coca. Os delegados não estavam preparados para discutir sobre a maconha. Porém, o representante brasileiro, Dr. Pernambuco, trouxe a planta para a discussão, a descrevendo como “mais perigosa que o ópio”.

A partir da década de 1930, a repressão da maconha começou a se espalhar pelos estados brasileiros. Em 1933, o país registrou as primeiras prisões relacionadas ao comércio clandestino da droga no Rio de Janeiro.

Em novembro de 1938, foi decretada a proibição total do plantio, cultura, colheita e exploração da maconha. Décadas depois, em 1976, a Lei 6.368 passou a prever pena de prisão para quem portasse qualquer quantidade de maconha, mesmo que para uso pessoal, o que só foi revogado em 2006, com a aprovação da Lei das Drogas.

Avanço na descriminalização das drogas

A lei 11.343/2006, também chamada de Lei das Drogas, excluiu a prisão de usuários de drogas, penalizando apenas quem as comercializa. Ainda em vigor, o artigo 28 da Lei estabelece que é crime adquirir, guardar ou transportar drogas para consumo pessoal, mas as punições são de natureza administrativa, e não criminal.

A legislação prevê penas alternativas, como advertência e prestação de serviço à comunidade, para quem for flagrado nessas situações.

Apesar do avanço, a lei de 2006 não estabelecia uma definição clara sobre quais eram os critérios para diferenciar usuários e traficantes. Ficava a cargo das autoridades locais, como polícia, Ministério Público e Justiça, definir se a pessoa flagrada com drogas era usuária ou traficante.

Em 2015, a defesa de um homem detido ao ser flagrado com três gramas de maconha acionou a maior instância do judiciário brasileiro. Debate que só acabou nesta semana, quando o STF descriminalizou o porte de até 40 gramas de maconha.

Na prática, a decisão prevê que uma pessoa for flagrada com até 40 gramas será considerada apenas usuária. Já para quem for flagrado com quantidades acima do limite estipulado, a lei estabelece que a pessoa seja enquadrada no crime de tráfico de drogas.


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Fernanda Rodrigues é repórter da Itatiaia. Graduada em Jornalismo e Relações Internacionais, cobre principalmente Brasil e Mundo.