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Sistemas de produção sustentável na Amazônia e Cerrado são viáveis, diz pesquisa

Estudos em MT, RO e PA apontam maior lucratividade, sustentabilidade e geração de renda rural

Síntese reúne evidências econômicas e traz recomendações para superar barreiras

Sistemas de Integração Lavoura-Pecuária-Floresta (ILPF) e agroflorestais (SAFs) no Cerrado e na Amazônia mostraram ganhos em produtividade, segurança alimentar, conservação ambiental e resiliência climática, além de gerar empregos e renda. Os estudos de caso, analisados por pesquisadores da Embrapa em parceria com o Banco Mundial, foram organizados em uma síntese que reúne as evidências econômicas e traz recomendações para superar barreiras e ampliar a adoção de sistemas de produção sustentáveis.

Segundo o pesquisador da Embrapa Acre (AC) Judson Valentim, as informações sobre o desempenho econômico de sistemas integrados de produção na Amazônia e no Cerrado servirão de subsídio para as políticas do Banco Mundial. “Além disso, podem contribuir para inserir esses sistemas nas políticas nacionais de crédito, como o Plano Safra da Agricultura Familiar. O documento evidencia ainda que, principalmente na Amazônia, existe a necessidade de ampliá-los”, declarou o pesquisador.

Para o economista agrícola sênior do Banco Mundial em Brasília, Leonardo Bichara Rocha, o trabalho traz evidências importantes para orientar políticas públicas e instrumentos financeiros que promovam o uso mais inclusivo, intensivo e ambientalmente sustentável da terra. “O estudo é inovador ao mostrar que, além dos benefícios ambientais e agronômicos, os sistemas de ILPF e os SAFs trazem maiores retornos econômicos e financeiros ao agricultor e ao pecuarista, comparados aos dos sistemas tradicionais. Foi um passo importante no novo marco de colaboração do Banco Mundial com a Embrapa, assinado em 2024”, conclui.

Os sistemas de ILPF integram diversas atividades produtivas, entre elas: agricultura, pecuária e floresta, numa mesma área por meio de sucessões, consórcios ou rotações de culturas, visando à sinergia entre os componentes do agroecossistema, o que permite maior produtividade, intensificação do uso da terra e redução da necessidade de abertura de novas áreas, entre outros benefícios.

Já os SAFs se adequam à agricultura familiar pelo menor nível de mecanização e uso de mão de obra intensiva. Eles associam, na mesma área e em períodos determinados, espécies perenes (como árvores frutíferas ou madeireiras), cultivos semiperenes (como banana, abacaxi, mandioca e algumas espécies de forrageiras) e plantios de ciclo curto, como grãos.

Segundo Valentim, os dados atualmente disponíveis são limitados, considerando a diversidade ambiental, social e econômica da Amazônia, que corresponde a 60% do território nacional. “Conseguimos avaliar cinco sistemas que possuíam dados sistematizados, e isso foi importante porque organizamos as informações sobre o que existe e as lacunas para a pesquisa agropecuária”, afirmou.

Análises econômicas abrangeram diferentes municípios dos dois biomas

A síntese mostra resultados da análise econômica comparativa entre um sistema de ILPF (ILPF-A), em Nova Canaã do Norte (MT), na Amazônia Legal; outro (ILPF-C), em Nova Xavantina (MT), região de Cerrado; e as duas estratégias de uso da terra mais representativas em Mato Grosso: um sistema de lavoura em grande escala e outro de pecuária extensiva.

Também são apresentados resultados econômicos de quatro modelos de SAFs com diferentes estratégias de diversificação de cultivos no bioma amazônico, sendo dois (BR SAF RO 1 e BR SAF RO 2) em Nova Califórnia, distrito de Porto Velho (RO), no Projeto RECA e dois (SAF 3 e SAF 4) em Tomé-Açu (PA), trabalhados no Projeto Tipitamba.

“São estudos de caso representativos de sistemas ILPF, ILP (Integração lavoura e pecuária) e SAFs, que comprovam seu potencial de adoção por agricultores de pequeno, médio e grandes porte nos dois biomas”, complementou o pesquisador Júlio César dos Reis, da Embrapa Cerrados (DF), responsável pelo trabalho.

ILPF mostra melhor desempenho econômico no Cerrado e na Amazônia

Os sistemas de ILPF tiveram desempenho econômico mais favorável. O lucro bruto foi maior no ILPF-C, sendo 8% maior que o da fazenda de lavoura e mais que o dobro da fazenda de pecuária, devido, segundo os pesquisadores, ao elevado rendimento do componente florestal associado à estratégia de comercialização de gado, aproveitando a vantagem logística proporcionada pela localização da fazenda, próxima à divisa com Goiás. Já o alto custo de produção do sistema ILPF-A e a demanda limitada por madeira na região reduziram o lucro bruto. Ainda assim, a taxa de retorno interna e o retorno sobre o investimento foram superiores aos das fazendas de agricultura e de pecuária extensiva.

Os indicadores de viabilidade econômica mostram que o sistema ILPF-C é o mais atrativo financeiramente, apresentando um Valor Presente Líquido Anual (VPLA) 13 vezes maior que o da fazenda de lavoura e 41 vezes maior que o da fazenda de pecuária, além do maior índice de lucratividade – 1,36 ou 36 centavos de lucro para cada dólar investido. A fazenda de lavoura, apesar do investimento inicial semelhante ao do sistema ILPF-C, apresentou retorno 35% inferior e índice de lucratividade de 1,03 devido a riscos econômicos e de mercado, mesmo em cenários favoráveis de preços. Por outro lado, o sistema de pecuária extensiva gerou apenas dois centavos de lucro para cada dólar aportado, sendo o menos lucrativo.

SAFs com cultivos de maior valor agregado são mais rentáveis

Valentim explica que nos anos iniciais dos SAFs o gasto é maior devido ao uso de insumos, mão de obra e equipamentos para o estabelecimento das culturas, além da menor diversificação dos produtos comercializados. “Para um SAF se manter rentável ao longo dos anos, é preciso considerar o tempo para cada componente produzir, bem como possibilitar uma safra de ciclo rápido, de baixo custo e que mantenha um fluxo de caixa positivo”, afirmou.

Os quatro sistemas acompanhados foram capazes de cobrir os custos de produção nos períodos avaliados. Os SAFs 3 e 4 apresentaram os maiores lucros devido aos custos de produção inferiores e à venda de produtos de maior valor agregado, como o açaí e o cacau.

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*Giulia Di Napoli colabora com reportagens para o portal da Itatiaia. Jornalista graduada pela UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), participou de reportagem premiada pela CDL/BH em 2022.