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Depois de mais de um século na clandestinidade, requeijão moreno é reconhecido como ‘queijo artesanal’

Iguaria produzida há mais de 100 anos no Estado era feita à margem dos serviços de inspeção, sem qualquer incentivo ou proteção do poder público; produtores do queijo e técnicos da Seapa comemoram

O requeijão tem consistência cremosa e sabor levemente defumado

Produzido e “adorado” pela população do Vale do Mucuri e do Norte de Minas há mais de 100 anos, o Requeijão Moreno, finalmente, foi reconhecido como “queijo artesanal” de Minas. A resolução foi publicada no Diário Oficial e, agora, segue os trâmites legais para que os produtores e as queijarias possam se regularizar e sair da clandestinidade. De acordo com levantamento da Emater-MG, atualmente há 839 produtores de requeijão moreno no estado que produzem 862,98 toneladas do produto por ano.

O diretor de agroindústria e cooperativismo da Secretaria de Estado da Agricultura e Pecuária de Minas Gerais (Seapa), Ranier Chaves Figueiredo, médico-veterinário, mestre e doutor em queijos artesanais, disse à Itatiaia que a ‘descoberta’ da iguaria se deu a partir de uma visita técnica de uma equipe da Seapa à região e da solicitação dos próprios produtores, que miraram reconhecimentos recentes de “primos próximos” como o Queijo Cabacinha e o Queijo Cozido, ambos também produzidos no Norte de Minas e Vale do Jequitinhonha.

Produtores comemoram conquista

Everson Pereira, o “Toko”, produtor de requeijão moreno em Porteirinha há 14 anos e presidente da Associação de Produtores da Serra Geral (Aproqueijo) confirma que o requeijão é um produto típico da região há mais de 100 anos (“nem sei precisar… mas mais de um século que ele é feito tem, com certeza). No entanto, “oficialmente” era um produto invisível. “O reconhecimento, pra gente, foi um grande passo porque agrega valor ao nosso produto e é uma chancela que possibilita a expansão da produção e a venda para outras praças. Todos nós estamos muito felizes”, contou.

Ranier disse, que ao ouvir a história de Toko - que era cortador de cana, antes de se tornar mestre queijeiro - teve certeza da necessidade do levantamento histórico e do reconhecimento. O próximo passo agora é a regulamentação que fica a cargo do Instituto Mineiro de Agropecuária (IMA). É esse documento que estabelecerá normas para a produção e comercialização em queijarias e entrepostos.

Apesar do reconhecimento oficial, se um produtor de requeijão moreno procurar, hoje, o IMA para habilitar sua queijaria, ele não vai conseguir. Porque? Simplesmente porque o regulamento de produção ainda não existe, está em processo de construção.

Ranier explica que, como se trata de um produto sensível, “vivo” e que pode impactar na saúde e bem estar de milhares de pessoas, tudo precisa ser feito com muito cuidado. Tem até uma lei - a 23157 - que determina como deve se dar a criação de um regulamento de um queijo artesanal.

“A Seapa precisa fazer uma pesquisa científica para embasar esse regulamento (que já está pronto) e enviar para a Epamig que é o órgão que avalia esses trabalhos científicos e emite um parecer sobre se o relatório atende aos preceitos de publicação científica e que pode servir de base para a construção de um regulamento. Estamos, exatamente, nessa fase. Esse documento já está em estudo na Epamig”, disse.

Ranier Chaves é especialista e um dos técnicos responsáveis pelo reconhecimento de queijos artesanais como o Cabacinha, o queijo Cozido e o Requeijão Moreno

Após o sinal positivo da Empresa de Pesquisa, será a vez do IMA entrar em ação para fazer a confecção do texto e publicar por meio de portaria. O novo regulamento deverá incluir, inclusive, se há ou não, a necessidade de maturação. “Tecnicamente, arrisco dizer que esse não será um processo necessário porque a massa é aquecida para incorporar o creme (manteiga de garrafa) o que faz com que esse seja um produto de baixo risco sanitário. Mas pode ser que o IMA e a Epamig não entendam dessa forma”, explicou.

Ranier conta que a Secretaria até já tinha produtores de requeijão moreno habilitados, mas na categoria ‘industrial’, com leite pasteurizado e produção num ambiente industrial. “O que estamos fazendo agora é reconhecer e proteger o modo de fazer artesanal. Estamos nos comprometendo a promover esse queijo, reconhecendo as regiões tradicionalmente produtoras e criando um regulamento para a habilitação sanitária desses produtores, para que saiam da clandestinidade. O requeijão moreno era feito às margens do serviço de inspeção, sem nenhum selo que autorizasse sua comercialização”.

Em Minas, o reconhecimento de variedades de queijos artesanais e a caracterização das regiões produtoras são prerrogativas do Estado. Para isso, a Seapa, a Emater-MG, a Epamig e o IMA seguem um protocolo de ações.

Veja as responsabilidades de cada órgão:

A Epamig realiza pesquisas sobre a segurança do consumo desses produtos ou valida estudos de instituições parceiras.

A Emater-MG faz o levantamento histórico da produção para fundamentar a caracterização das regiões produtoras, além de prestar assistência técnica aos produtores.

O IMA publica portarias, normativas e regulamentos que abrem portas para o mercado formal.

A Seapa participa de todo o processo, recebe demandas, constrói notas técnicas e dá direcionamentos. Além disso, elabora políticas públicas de valorização e promoção do queijo artesanal.

Iguaria é feita com leite cru, naturalmente coagualdo

O requeijão moreno é um tipo de queijo artesanal feito a partir de leite cru coagulado naturalmente. É obtido da fusão de creme de leite com massa de coalhada sem soro e lavada. Nos meios técnicos, é considerado um queijo de massa fundida.

De consistência firme ou de corte, é comercializado em barras. Como o próprio nome sugere, ele é amarronzado, podendo ter um tom mais claro ou escuro, dependendo do tempo de cozimento ou fritura do creme de leite usado para dar o acabamento final.

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Maria Teresa Leal é jornalista, pós-graduada em Gestão Estratégica da Comunicação pela PUC Minas. Trabalhou nos jornais ‘Hoje em Dia’ e ‘O Tempo’ e foi analista de comunicação na Federação da Agricultura e Pecuária de MG.