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Insônia pode ter origem no intestino, apontam pesquisas

Estudos revelam que a microbiota intestinal influencia no sono e abre caminho para novos tratamentos

A Ciência tem reforçado a ligação entre intestino e cérebro. Agora, novas evidências indicam que as bactérias que habitam o sistema digestivo também podem afetar a qualidade do sono. Um estudo conduzido na China mostrou que a composição da microbiota intestinal e os hábitos de descanso estão “muito mais conectados do que se acreditava”.

Segundo especialistas do Hospital de Clínicas da Universidade de Buenos Aires (UBA) ouvidos pelo Infobae, o achado amplia as pesquisas sobre a insônia, que atinge de 10% a 20% dos adultos no mundo. O trabalho analisou dados genéticos de 387 mil pessoas com insônia e microbiomas de 26,5 mil voluntários europeus, identificando 41 tipos de bactérias associadas ao distúrbio - algumas aumentando e outras reduzindo a probabilidade de ocorrência. A bactéria ‘Odoribacter’, por exemplo, apareceu com forte relação ao risco de insônia.

Para os cientistas, “a partir de estes resultados, o microbioma intestinal se começa a considerar também como biomarcador e futuro objetivo terapêutico para o tratamento da insônia”. O próximo passo, destacam, é avaliar estratégias personalizadas, como uso de probióticos, prebióticos e até transplantes de microbiota fecal.

O papel do intestino no sono e na saúde mental

De acordo com a médica gastroenterologista Jesica Andruetto, “nos últimos anos a pesquisa em neurociência e microbiologia colocou em evidência a estreita comunicação entre o intestino e o cérebro, conhecida como eixo intestino-cérebro”. Esse sistema regula a produção de substâncias que impactam o sistema nervoso e o sistema imune, explicando a ligação não apenas com insônia, mas também com depressão e alterações de humor.

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Já a médica Ana Carolina Garrafa lembra que “a microbiota intestinal pode influir no sono mediante a produção de metabolitos, a modulação do sistema imunológico e a interação com o sistema nervoso central”. Entre as bactérias protetoras, ela cita a ‘Faecalibacterium’, produtora de butirato, composto anti-inflamatório associado a melhor qualidade de descanso.

Hábitos e alimentação podem ser aliados do sono

A dieta tem papel central nesse equilíbrio. “A alimentação influencia de maneira direta a composição e a atividade da microbiota intestinal”, explica Andruetto. Alimentos ricos em fibras, fermentados como iogurte, kefir e chucrute, além de prebióticos presentes em alho, cebola e chicória, favorecem bactérias benéficas. Segundo Garrafa, probióticos como ‘Lactobacillus’ e ‘Bifidobacterium’ “podem modular a microbiota e, de acordo com estudos experimentais, melhorar a resposta ao estresse e a percepção da qualidade do sono”.

Outros fatores também impactam a flora intestinal e, consequentemente, o descanso, como alterações no ritmo circadiano, estresse, sedentarismo, uso de antibióticos e dietas ricas em ultraprocessados, álcool ou cafeína. “Quando se alteram os horários, a luz ou os padrões de comida, todo esse sistema perde sincronia e afeta tanto a diversidade microbiana como a produção de compostos chave para dormir bem”, destacou Garrafa.

Perspectivas

O Hospital de Clínicas da Universidade de Buenos Aires já realiza transplantes de microbiota fecal em casos graves de doenças digestivas, com bons resultados. “Este procedimento consiste em transferir microbiota de doadores saudáveis a pacientes em que os tratamentos convencionais não funcionaram. Logramos melhorias importantes na saúde intestinal e na evolução clínica dos pacientes”, afirmou Garrafa.

Embora especialistas ressaltem que ainda são necessários mais estudos antes de adotar intervenções intestinais como padrão contra a insônia, o consenso é que a descoberta abre um campo promissor. “Uma dieta que aumente a diversidade microbiana poderia colaborar indiretamente a melhorar o estado de ânimo e o descanso noturno”, concluiu Andruetto.

Jornalista graduado com ênfase em multimídia pelo Centro Universitário Una. Com mais de 10 anos de experiência em jornalismo digital, é repórter do Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Antes, foi responsável pelo site da Revista Encontro, e redator nas agências de comunicação FBK e Viver.