A gastronomia afetiva retorna como uma tendência de bem-estar e conexão com as raízes.
Você se lembra do cheiro do bolo da sua avó? Do caderno de receitas escrito à mão, com anotações e manchas de farinha? Em meio ao turbilhão da vida moderna, a gastronomia do afeto está ganhando fôlego. Muito além do sabor, ela traz histórias, reconexões e o resgate de memórias que atravessam gerações. O retorno desse movimento não é apenas um fenômeno nostálgico — é um reflexo de um desejo coletivo por presença, por significado e por relações mais humanas, inclusive à mesa.
Receitas que contam histórias
Cada prato é um ponto de encontro entre passado e presente. O feijão tropeiro do avô mineiro, o cuscuz do sertão, o doce de leite feito em tacho de cobre — todos carregam algo que vai além do ingrediente. Na gastronomia afetiva, o mais importante não é a técnica, mas o afeto que se deposita em cada preparação. Muitos chefs contemporâneos estão resgatando pratos simples e tradicionais, buscando reconectar seus clientes com as raízes da infância.
Cozinhar como ato de cuidado
No mundo das entregas por aplicativo e refeições congeladas, preparar algo do zero se tornou quase revolucionário. Cozinhar, hoje, é uma forma de autocuidado e expressão. Segundo uma pesquisa da Kantar, 67% dos brasileiros afirmam que cozinhar traz sensação de relaxamento e prazer. É um momento em que o tempo desacelera, o celular fica de lado e os sentidos se abrem. A cozinha, portanto, vira um lugar de cura.
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A volta dos cadernos de receita
As redes sociais impulsionaram um fenômeno curioso: a digitalização dos antigos cadernos de receita. Perfis no TikTok e Instagram mostram receitas escritas à mão, muitas vezes por avós, sendo reproduzidas com carinho por netos e bisnetos. Esses registros ganham nova vida e se tornam virais — porque, no fundo, todos buscamos algo que nos ancore na memória e no pertencimento. A comida vira ponte entre gerações.
A estética do simples
O visual também mudou. Saem os pratos ultraelaborados e entram as comidas servidas em travessas esmaltadas, com toalhas floridas e utensílios herdados da família. A estética da gastronomia afetiva é imperfeita, real, com cara de casa de vó. A valorização do imperfeito — o famoso “feito com amor” — ganha espaço na contramão da padronização industrial. Afinal, não é sobre aparência. É sobre verdade.
Influenciadores da saudade
Gastronomia do afeto a volta das receitas de vó em tempos digitais
Vários influenciadores têm se destacado nas redes por resgatar essas receitas e memórias. Um exemplo é o perfil @receitasdaminhavó, com mais de 1 milhão de seguidores, que mistura pratos simples com histórias emocionantes. Outro exemplo é o canal Panelas de Afeto, no YouTube, onde cada vídeo é quase uma crônica da vida cotidiana. Eles não vendem só receitas, vendem afeto.
Benefícios além do paladar
Estudos indicam que cozinhar alimentos ligados a memórias positivas pode reduzir sintomas de ansiedade. O simples ato de amassar um pão caseiro ou mexer um doce no fogão é terapêutico. Psicólogos já utilizam a culinária afetiva em terapias familiares, principalmente quando há rompimentos de vínculos entre gerações. A comida se torna um instrumento de reconexão.
Tradição e inovação
Ainda que se baseie em tradições, a gastronomia afetiva também se reinventa. Receitas ganham versões veganas, sem glúten ou adaptadas a novas demandas. O importante é preservar o espírito da receita, mesmo que o ingrediente mude. O que se mantém é o gesto: fazer algo com tempo, intenção e memória. Isso sim é insubstituível.
Como aplicar no dia a dia?
- Escolha um dia da semana para cozinhar algo da infância.
- Peça a receitas para os mais velhos da família e registre com fotos e vídeos.
- Troque receitas com amigos e familiares, como se fazia no passado.
- Crie seu próprio caderno de receitas afetivas, manual ou digital.
Gastronomia afetiva no mercado
A tendência já chegou aos restaurantes. Muitos estabelecimentos têm investido em cardápios com pratos da culinária caseira brasileira. Palavras como “da roça”, “da vovó" e “feito em casa” ganham destaque. É um apelo emocional legítimo — e eficaz. O cliente não quer apenas comer: ele quer sentir-se acolhido.
O futuro é sentimental
Em um mundo cada vez mais virtual, rápido e impessoal, o ato de cozinhar e compartilhar uma refeição ganha novo status. Ele é antídoto, refúgio e resistência. A gastronomia do afeto nos convida a parar, a lembrar e a compartilhar — três verbos que o mundo moderno quase esqueceu. Ao resgatar uma receita antiga, resgatamos também um pedaço de nós.
Feito com afeto. Servido com memória. Esse é o sabor do agora.