Um recruta da Marinha do Brasil, lotado na Capitania Fluvial de Minas Gerais, em Belo Horizonte, registrou um boletim de ocorrência em que relata casos de racismo e preconceito religioso dentro da instituição militar. O documento menciona que o jovem, de 19 anos e cuja identidade foi preservada, é vítima de “questões discriminatórias” desde dezembro de 2023.
Ele alega que foi transferido da unidade do Belvedere para a da avenida Raja Gabáglia, ambas na região Centro-Sul da capital mineira, local onde teria sofrido discriminação. Ainda segundo o relato, a vítima questionou o motivo da transferência e teria escutado que, na Raja, “seria escrava”.
Segundo o advogado criminalista, Gilberto Silva, que representa a vítima, o recruta foi admitido no ano passado e, após terminar seu curso no Rio de Janeiro, foi transferido para Belo Horizonte. Já na capital mineira, as discriminações começaram após a transferência entre as duas unidades da Marinha. A vítima ressalta que a cor da pele é o motivador das agressões verbais e que sofre humilhações por parte dos colegas da corporação, que se referem a ele como “primata”, “macaco”, “escravo” e “macumbeiro”.
‘Implantar a chibata em você'
Silva ainda conta que a vítima está abalada emocionalmente e vai iniciar tratamento contra a depressão após os ataques. O defensor ressalta que o recruta sente medo de ser desligado da corporação por ainda cumprir o estágio probatório. A vítima, ainda teria sido adicionada em um grupo informal em um aplicativo de mensagens para ser hostilizado abertamente pelos colegas da Marinha.
Entre os áudios e mensagens com teor depreciativo compartilhado, uma delas dizia “a única coisa que vai concordar é ele implantar a chibata em você, guerreiro”.
A reportagem procurou a Polícia Civil de Minas Gerais (PCMG), que registrou o boletim de ocorrência. De acordo com o órgão, por se tratar de um crime que teria ocorrido em ambiente militar e onde todos os envolvidos são militares, ele será apurado pela Corregedoria da Marinha.
A Marinha do Brasil em Belo Horizonte também foi procurada pela reportagem, mas o servidor militar que atendeu a ligação recusou-se a prestar informações ou se identificar, limitando-se a dizer que era “supervisor do serviço”. Após insistência, ele passou o e-mail da corporação e a reportagem recebeu o posicionamento oficial da Marinha do Brasil.
Leia na íntegra:
A Marinha do Brasil (MB), por intermédio da Capitania Fluvial de Minas Gerais, informa que tomou conhecimento, nesta quarta-feira (31), sobre o caso em lide. A Força permanece à disposição dos órgãos responsáveis para colaborar com as investigações e ressalta que serão realizados todos os procedimentos necessários à apuração dos fatos.
A MB lamenta o ocorrido e reafirma o seu compromisso com a ética e com o respeito à dignidade da pessoa humana e reitera seu firme posicionamento contra condutas que afetam a honra e o pundonor militar.”
Menção a ‘chibatada’ revive um dos piores episódios da história da Marinha
A menção à “chibata” em uma mensagem recebida pela vítima de um colega relembra um dos piores marcos da história da Marinha do Brasil: a Revolta da Chibata. O movimento, organizado por marinheiros negros, aconteceu em novembro de 1910, na Baía de Guanabara, no Rio de Janeiro.
A revolta se iniciou após os recrutas se organizarem contra os constantes castigos físicos que eram aplicados com uma chibata. O uso do castigo pela Marinha Brasileira era uma influência herdada da Marinha Portuguesa. O castigo era geralmente destinado aqueles que ocupassem os cargos mais baixos na hierarquia da corporação, em sua maioria composta por negros. A punição dada ao recruta Marcelino Rodriguez Menezes, mais conhecido como “Baiano”, condenado a receber 250 chibatadas, foi o gatilho de início para a revolta liderada pelo marinheiro negro João Cândido Felisberto, que passou à história sob a alcunha de “Almirante Negro”.
Após o episódio, os marinheiros se uniram e tomaram o controle de quatro navios de guerra ancorados na baía de Guanabara e ameaçaram bombardear o Rio de Janeiro, na época capital do país. Após seis dias da rebelião, o movimento foi contido. A maioria dos envolvidos foi presa e morta.
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