Até poucos anos atrás, em um processo de divórcio, o cachorro ou gato da família recebia o mesmo tratamento jurídico de um sofá ou de um carro: entrava na “partilha de bens” como um objeto a ser vendido ou adjudicado a uma das partes.
Mas a realidade mudou. Com a consolidação do conceito de Família Multiespécie nos tribunais brasileiros, a disputa pela custódia dos animais deixou as Varas que tratam de patrimônio e migrou para as Varas de Família.
Essa mudança impacta diretamente o bolso e a rotina dos ex-casais, pois o Superior Tribunal de Justiça (STJ), corte responsável por padronizar a interpretação das leis federais, já firmou o entendimento de que animais de estimação não podem ser equiparados a coisas inanimadas.
A jurisprudência atual reconhece que os pets possuem uma natureza jurídica sui generis (única): embora não sejam pessoas, são seres capazes de sentir dor e afeto, e merecem tutela dos seus interesses.
O Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), principal autoridade acadêmica no tema, explica que o divórcio não extingue o vínculo com o animal. Assim como ocorre com filhos humanos, a tendência majoritária dos juízes é fixar o regime de guarda compartilhada ou regulamentar o direito de visitas, além de estipular a divisão de despesas, a popular “pensão alimentícia pet”.
Segundo decisão do Superior Tribunal de Justiça, “a ordem jurídica não pode permanecer indiferente a essa relação de afeto [entre humanos e animais]. Deve-se reconhecer a possibilidade de regulamentação de visitas ou de guarda compartilhada de animais de estimação, considerando a preservação do bem-estar do animal e a continuidade do vínculo afetivo, independentemente do regime de bens adotado pelo casal”.
Contudo, a “humanização” do processo traz consequências sérias. Advogados familiaristas alertam que o animal não pode ser usado como ferramenta de vingança ou manipulação emocional entre os ex-cônjuges.
Casos análogos à alienação parental, em que um dos tutores impede o contato ou negligencia os cuidados para atingir o ex-parceiro, têm levado à perda unilateral da guarda.
A decisão judicial, na ausência de um acordo amigável, deixa de focar em “quem pagou pelo cachorro” e passa a analisar “quem exerce a função de cuidador”. O juiz avalia quem levava ao veterinário, quem passeava e quem tem melhor disponibilidade de tempo e espaço.
Rodrigo da Cunha Pereira, Presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), diz que “os animais de companhia são seres sencientes, ou seja, capazes de sentir emoções, e integram o núcleo familiar contemporâneo. O Direito de Família deve evoluir para tutelar essas relações baseadas no afeto, superando a visão patrimonialista do Código Civil de 2002 que ainda os classifica como bens móveis”.