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Os livros de Francisco: papa era fã de Borges, Dostoievski e Tolkien

Papa escreveu sobre poesia e recomendava a leitura dos clássicos como forma de “entender a voz de Deus a partir da voz do tempo”

Francisco era leitor voraz de Dostoiévski e Jorge Luis Borges

Nem só de textos religiosos vive um papa. Meio século antes de liderar o Vaticano, Jorge Mario Bergoglio foi professor de literatura na Argentina. Talvez por isto, seja o primeiro pontífice a valorizar, publicamente, textos literários e obras de arte não sacras, incluindo autores sem religião, algo incomum entre os papas que o antecederam. A exaltação da poesia é um aspecto inusitado do legado do papa argentino.

Entre os autores preferidos de Francisco estão Dostoiévski, Dante Alighieri, Proust e Jorge Luis Borges, argentino como ele, com quem teve um encontro inusitado nos anos 1950. O jovem Bergoglio, professor de literatura e psicologia no Colégio Imaculada Conceição, em Santa Fé, enviou uma carta a Borges, já então considerado o maior escritor argentino, convidando-o a visitar a escola. Agnóstico, o autor de “Ficções” e “O Aleph” viajou de ônibus, por oito horas, para conversar com os alunos. Um dos encontros atrasou porque Borges, já quase cego, pediu para Bergoglio o barbear. A imagem do futuro papa Francisco ajudando um dos maiores escritores do século XX é comovente.

Em 2024, em uma carta a seminaristas, Francisco os aconselhou a ler os clássicos, principalmente Proust, T.S. Eliot e Borges. “Encontrar um bom livro pode ser um oásis que nos ajuda a enfrentar as tempestades até alcançar a serenidade. Me encantam os escritores trágicos porque todos podemos sentir suas obras como nossas, como expressão de nossos próprios dramas, nosso vazio interior, da nossa própria solidão”.

Lançado quando Francisco já estava internado em 2025, o livro “Viva a Poesia”, ainda sem edição em português, traz escritos do papa sobre literatura.

No volume, Bergoglio comenta suas principais influências literárias, como Dante, Dostoiévski, Virgílio, Jorge Luis Borges, Friedrich Hölderlin e até J. R. R. Tolkien, a quem citou em uma homilia de Natal.

Durante um encontro com alunos da Universidade de Georgetown (EUA), Francisco afirmou que a igreja precisa de escritores e poetas e recomendou “entender a voz de Deus também a partir da voz do tempo”. E, citando Paul Claudel, disse: “vocês são um olho que escuta. A arte é um desafio à nossa imaginação, ao nosso modo de ver e compreender as coisas. O próprio Evangelho é um desafio artístico, uma carga ‘revolucionária’ que vocês são chamados a expressar, graças ao seu gênio. Hoje a Igreja precisa do seu gênio!”.

O encontro com Borges, nos anos 1950, foi relatado por Francisco no livro “A Esperança":

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Enzo Menezes é chefe de reportagem do portal da Itatiaia desde 2022. Mestrando em Comunicação Social na UFMG, fez pós-graduação na Escola do Legislativo da ALMG e jornalismo na Fumec. Foi produtor e coordenador de produção da Record e repórter do R7 e de O Tempo