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A história da biblioteca ‘proibida’ por Trump que une (e divide) a fronteira entre EUA e Canadá

Entrada da Biblioteca Haskell fica no lado americano e estantes estão no lado canadense; governo Trump vai barrar entrada de quem não passar por posto de fronteira

Biblioteca foi fundada em 1904; faixa no chão aponta fronteira imaginária entre os países

Uma singela biblioteca que está, ao mesmo tempo, nos Estados e no Canadá virou motivo de disputa diplomática por conta das políticas migratórias de Donald Trump.

Há 120 anos, a Biblioteca Haskell se divide entre as cidades de Derby Line, em Vermont, nos EUA, e Stanstead, em Quebec, no Canadá. A entrada fica no lado americano, enquanto as estantes de livros estão posicionadas no lado canadense - como previsto por Martha Hoskel e o filho, que em 1904 montaram a biblioteca (que também é uma casa de ópera) com o propósito de ignorar divisões.

Nos cômodos do imóvel, uma faixa preta marca no chão a fronteira livre onde moradores das duas cidades sempre puderam compartilhar livros, abraços e longas conversas. Aos canadenses, bastava dar a volta na calçada para entrar no lado americano sem passaporte ou pedido de autorização. Com Donald Trump na presidência, isso não tem sido mais possível.

Desde o fim de março, agentes do Customs and Border Protection (alfândega e monitoramento de fronteiras dos EUA) impedem a entrada de canadenses, que agora precisam procurar um posto de fronteira para fazer os trâmites burocráticos. Por enquanto, só podem cruzar a linha imaginária os leitores com carteirinha da biblioteca Haskell. A partir de 1º de outubro, somente agentes de emergências poderão atravessar a fronteira livremente.

A medida colocou leitores dos dois lados da fronteira contra Trump. A Haskell anunciou que vai abrir uma porta do lado canadense para permitir o acesso de leitores, mas as obras devem custar US$ 100 mil por questões de acessibilidade. Enquanto isso, doações já chegam a US$ 140 mil, e uma saída de emergência tem sido temporariamente usada para não impedir os momentos de leitura.

No site oficial, a biblioteca postou um comunicado com as novas regras: ‘sair pela mesma porta que você entrou’ e ‘proibido encontros na biblioteca’ está entre elas.

Prédio tem tijolos em estilo vitoriano

“Criminosos e contrabandistas”

“A biblioteca é “um símbolo da cooperação internacional” e a proibição “me parece mais um passo para construir um abismo entre os países, algo desprovido de curiosidade e compreensão”, afirmou o frequentador Allyson Howell à Associated Press.

O prefeito Jody Stone, de Stanstead, classifica a decisão da administração Trump como “sem sentido”, mas não crê em um rompimento na comunidade. “Não importa o que o governo faça, isso não vai mudar o fato de que as cidades de Stanstead e Derby Line são parceiras e amigas para sempre”.

Em fevereiro, o Boston Globe noticiou que a Secretária de Segurança Interna dos EUA Kristi Noem visitou a biblioteca, se recusou a atravessar para o lado canadense e repetiu afirmações de Trump de querer o Canadá como 51º estado americano.

O departamento alegou ao jornal inglês The Guardian que “traficantes e contrabandistas exploravam a entrada sem passar pela alfândega”, e que a medida vai “acabar com a atividade criminosa e proteger os americanos”. No entanto, não informou crimes recentes registrados ali.

O The Guardian levantou que o último crime na Biblioteca Haskell ocorreu em 2018, quando um homem foi condenado por contrabandear munições em uma mochila.

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Enzo Menezes é chefe de reportagem do portal da Itatiaia desde 2022. Mestrando em Comunicação Social na UFMG, fez pós-graduação na Escola do Legislativo da ALMG e jornalismo na Fumec. Foi produtor e coordenador de produção da Record e repórter do R7 e de O Tempo