A situação de Cuca e sua despedida do Corinthians trouxe à tona uma nova realidade que norteia a sociedade brasileira no que diz respeito a valores, comportamentos e atitudes. Apesar da carreira vencedora, o treinador se tornou alvo de protestos e manifestações ao ver sua trajetória atrelada a um clube que sempre se vinculou às causas sociais.
Condenado pela Justiça da Suíça por manter relação sexual com uma menina de 13 anos em um hotel, com mais três atletas do Grêmio em 1987, o treinador pagou o preço por proclamar inocência e ver seu álibi ruir com
Um indicativo dessas mudanças já havia alcançado os holofotes em dois casos ainda frescos na memória envolvendo astros do futebol. Condenado em última instância por violência sexual,
A antropóloga Débora Diniz, é professora da Universidade de Brasília (UnB) e pesquisadora visitante da Universidade Brown, em Rhode Island, nos Estados Unidos. Ela explicou alguns fatores para essa mudança de comportamento e postura em relação a uma transgressão ocorrida há mais de três décadas.
“Não existe mais espaço para acomodação ao silêncio. A proteção a esses homens não cabe mais. Se o que aconteceu há 37 anos passou silenciado naquele momento, é quase um dever de testemunho, no tempo presente, contar de outro jeito. Embora o direito possa dizer que prescreveu o crime, ele não prescreve no campo da ética, no campo vivido”, afirmou a especialista.
Questionada se as personalidades do esporte estariam deixando o status de “intocáveis”, ela foi além. “Não diria só no esporte. Isso está acontecendo na arte, na música, na vida acadêmica. Eles não são intocáveis. A intocabilidade de uma magia de determinado espaço não se estende para uma vida de existência fora da lei, de abuso sexual, de racismo. Essas atitudes estão sendo vistas.”
Psicólogo do esporte e com passagens em clubes da primeira divisão como Palmeiras, Botafogo e América-MG, Eduardo Cillo afirmou que um conjunto de fatores contribuiu para que o caso ganhasse tamanha proporção. “Estamos passando por uma mudança cultural com relação ao tratamento dispensado a mulheres de uma forma geral. Outro ponto é que o Corinthians é identificado com causas sociais há muito tempo, desde a democracia corintiana”, disse.
“O caso teve esse tempero a mais também pelo papel que o clube tem em relação ao futebol feminino. Seria uma incoerência fechar os olhos nessa discussão sobre as bandeiras que a agremiação levanta tradicionalmente”, completou Cillo que responde pela coordenação do departamento de psicologia do Comitê Olímpico do Brasil (COB).
Para Cillo, o fato de Cuca ter construído uma carreira consagrada no Brasil, ainda mais em uma modalidade que concentra o maior número de adeptos serviu para dar mais projeção a esse caso. “Quem trabalha e vive no futebol, seja jogador ou outro profissional, acaba tendo muita exposição e visibilidade. Isso traz benefícios, mas também responsabilidades. O que quer que façam, vira modelo de comportamento. Se fizerem algo que seja prejudicial a outras pessoas, não é bom exemplo. Mas, se fizerem algo positivo, ajuda a eliminar preconceitos”, diz.
Caso Pedrinho no São Paulo
O caso de exposição negativa dos jogadores teve um exemplo prático.
A diretoria do Morumbi optou pelo rompimento após a
Outro caso a ganhar repercussão na mídia aconteceu na capital paranaense na semana passada. Assim como Cuca, o agora técnico Antonio Carlos Zago teve de enfrentar protestos de torcedores do Coritiba, seu novo clube, por percalços cometidos no passado.
Em 2006, época em que defendia o Juventude, o então zagueiro foi expulso por dar uma cotovelada em Jeovânio, do Grêmio. Na saída, ao discutir com o adversário, apontou a cor do próprio braço. Ele pegou 120 dias de gancho pela agressão e mais quatro jogos de suspensão por acusação de racismo.
Na chegada à nova casa,
Apoio da categoria
Em meio às críticas e condenações pelo escândalo de Berna, Cuca ganhou apoio da categoria nesse momento delicado que atingiu sua carreira. A Federação Brasileira de Treinadores de Futebol (FBTF) manifestou solidariedade ao técnico. O ex-jogador Zé Mário, que defendeu Flamengo, Vasco e Fluminense na década de 1970, e preside a entidade, classificou o episódio como “covardia”.
“Inacreditável que o Corinthians contrate um profissional e outros funcionários do próprio clube comecem com essa onda (em referência à nota de protesto das jogadoras do time feminino). Se o Cuca errou no passado, ele já pagou, sem dúvida, por todos esses anos vividos. Quem não errou que jogue a primeira pedra”, finalizou.
Zé Mário disse já ter mandado mensagem ao treinador e colocou a entidade à disposição. “Isso é uma coisa pessoal e não sei o que ele vai precisar. No caso de pedir ajuda, o advogado é que vai fazer alguma coisa”, comentou.
Responsável pela comunicação da FBTF, Roberto Palmieri de Souza deu a sua posição como ex-atleta, por meio de um texto publicado em suas redes sociais. Na publicação, o goleiro diz ser contra estupro, racismo e ser a favor da condenação. No entanto, ele prega serenidade nos julgamentos dos envolvidos.
“Condeno o estupro e o racismo e sou à favor da presunção da inocência, onde somos inocentes até que se prove o contrário. Sou a favor da condenação, colhemos o que semeamos, mas sou à favor do perdão. Todos podemos errar, mas temos o dever de buscar o acerto e a empatia que nos permite sentir, cooperar e respeitar o que o nosso semelhante anseia. Sem isso, fica desse jeito aí. É só ódio, filtro e lacração!”
(com agências)