A cada ano a cena se repete, os rios e córregos responsáveis por abastecer as caixas d'água e reservatórios de ribeirinhos do Vale do Jequitinhonha secam no período de estiagem. A água salobra, e em muitos casos sem nenhum tratamento, é a única alternativa para famílias sobreviverem numa espécie de deserto que não é deserto. Para matar a sede das pessoas, as prefeituras da região acabam enviando caminhões pipa.
Apesar disso, nem sempre quem recebe a água tem um local apropriado para armazená-la, gerando risco à saúde. Pensando nisso, algumas pessoas fervem a água ou passam por um pano, uma espécie de peneira, para retirar impurezas.
Na casa de uma família visitada pela Itatiaia, a produção de queijos é uma forma encontrada para complementar a renda. Porém, no período mais crítico do ano, com a falta d'água é preciso vender o gado ou reduzir drasticamente a fabricação devido à ausência da água e de chuvas para manter as pastagens.
Até o Jequitinhonha, principal rio que corta a região, sofre com a vazão baixa no período mais seco do ano, situação que se agrava com o monocultivo de eucalipto, garimpos ilegais e extração de areia. Em busca de ao menos poucos litros d'água pessoas que moram ao lado Ribeirão Piauí, afluente do rio Jequitinhonha, criam uma espécie de poço para juntar o restinho de água que ainda corre.
É o que conta Elizabeth Fátima dos Santos Siqueira, de 65 anos: “A gente vive dessas caixinhas de água, que a gente puxa desse córrego quase seco. Todo ano, quando chega nesse tempo, o córrego seca e a gente fica na penumbra, pois a gente não tem para onde correr, né?!”
Maria Rita da Conceição Santos, de 51 anos, explica: “Agora, graças a Deus, tem um caminhão pipa da cidade de Itinga que traz água para a gente. Nós temos dois postos artesianos, só que a água é salobra, mas enquanto isso a gente ia se virando.”
Seca
A seca no Vale do Jequitinhonha é uma característica da região, que tem mais meses sem chuva do que com chuva. A antropóloga e professora da UFMG, Flávia Maria Galizoni, explica que a falta de água se relaciona à qualidade da água disponível pra população local: “Parte das vezes, essa população rural não tem acesso à qualidade de água, que tem a ver também não só com as qualidades físicas e químicas da água, mas com a água, culturalmente, desejada por essa população. Uma água de nascente, uma água limpa. Esse processo de escasseamento fez com que parte das comunidades rurais do Jequitinhonha fossem abastecidas por caminhões pipa.”
O abastecimento d’água nas cidades do Vale do Jequitinhonha conta com os serviços da Copasa e da Copanor, que é uma empresa pública subsidiária da Copasa, criada pelo Governo de Minas, para atender as regiões Norte e Nordeste do estado.
O coordenador administrativo da Copanor, Flávio de Almeida Campos, comenta sobre a falta d'água e a respeito da qualidade da água na região: “Nas regiões da Copanor, a falta de água realmente ali existe. No período de seca tem alguns municípios que passam dificuldade. Porém, a Copanor vem através dos anos resolvendo o problema. Hoje o uso de caminhão pipa na Copanor é mínimo.”
Flávio Campos complementa: “em relação à qualidade da água da região, depende muito do local, do município, da forma de captação que é feita. Muitas vezes os poços artesianos podem apresentar um tipo de água um pouco diferente, com dureza, com coloração. Mas a Copanor tem feito todo o tratamento possível, distribuindo uma água de qualidade dentro do que estabelece a portaria.”
Já o gerente da Copasa, Regional Almenara, Magno Gomes dos Santos, explica que as viagens de caminhão pipa tem sido uma alternativa encontrada pelas prefeituras no período da seca: “Na região em torno de Araçuaí, o que nós aqui da Copasa observamos é que no período de estiagem, fornecemos água para a prefeitura de Araçuaí, para que ela possa abastecer a zona rural. A gente observa que nesse período a quantidade de viagens de caminhão pipa aumentam de forma significativa. O que é um indicativo que as nascentes, os pequenos rios e córregos da região secaram, já que eles são intermitentes.”
“Fica lançado, até para a gente pensar, porque nós estamos aí com o novo Marco do saneamento que prevê que a zona rural também seja atendida com saneamento de qualidade até 2033.”
Ouça a reportagem, exibida na programação da Itatiaia:
Reportagem: Gustavo Cícero
Produção: Pablo Nogueira