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Ame ou odeie: por que “Emília Perez” é o filme do ano no Oscar?

Obra aborda temas como a transexualidade, o narcotráfico e a crise de desparecidos no México e gerou controvérsias após falas do diretor Jacques Audiard e da protagonista Karla Sofia Gascón

“Emília Perez” concorre em treze categorias no Oscar

Com treze indicações ao Oscar e quatro vitórias no Globo de Ouro, o filme francês, Emília Perez, que se passa no México, chegaria a este domingo (2) como favorito ao maior prêmio do cinema mundial. No entanto, um dos principais concorrentes do brasileiro “ Ainda Estou Aqui” na categoria de Melhor Filme Internacional, a obra do diretor Jacques Audiard acumula prêmios e polêmicas.

O musical, cantado e contado em espanhol, conta a história de Manitas, chefe do narcotráfico mexicano que deseja fazer a transição de gênero.

O protagonista, casado com Jessi (Selena Gomez), pede ajuda a Rita Moro Castro (Zoë Saldaña), uma advogada infeliz, para fazer a cirurgia de redesignação sexual.

Manitas ‘morre’ para a família e o narcotráfico e surge Emília Perez, interpretada por Karla Sofía Gascón.

Ao longo da trama, temas como a crise dos desaparecidos no México, provocada por disputas entre cartéis de drogas, acabam sendo abordados de forma superficial. Ainda assim, o filme que poderia fazer história (já que Gascón é a primeira mulher trans a concorrer ao Oscar de Melhor Atriz), acabou sufocado por controvérsias envolvendo a produção e o elenco.

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Por que os mexicanos odeiam tanto Emília Perez?

Embora a história aconteça predominantemente no México, o elenco principal não é composto por mexicanos.

Karla Sofía Gascón é espanhola e Zoë Saldaña é estadunidense. A cantora e atriz Selena Gomez é neta de mexicanos, mas também nasceu nos Estados Unidos.

Selena, inclusive, recebeu críticas pelo “sotaque”. O diretor espanhol Eugenio Derbez, em um podcast, disse que a atriz “não sabe o que está dizendo” e, por isso, “não pode dar nenhuma nuance à sua atuação”. Em reposta, Gomez afirmou que fez o melhor possível com o tempo dado pela produção do filme.

O diretor francês Jacques Audiard também foi alvo de controvérsias. Apesar de ter criado um filme sobre a cultura mexicana, o cineasta afirmou que foi ao país latino apenas “duas ou três vezes” e não encontrou atores mexicanos para os papéis principais. Assim, parte da população usou a internet para protestar contra Emilia Perez, acusando o longa de reproduzir estereótipos - até mesmo racistas - para estrangeiros.

Rixa com brasileiros

Na temporada de premiações que antecedem o Oscar, Emília Perez acumulou prêmios e superou “Ainda Estou Aqui” no Globo de Ouro, no BAFTA e no Critics Choice Awards como Melhor Filme Internacional. A rivalidade, que por si só já amargou a visão dos brasileiros sobre o filme francês se ampliou após declarações de Karla Sofia Gascón. A atriz espanhola havia pedido a “ajuda” de Fernanda Torres para “lidar” com os fãs brasileiros - que respondeu elogiando a colega. Porém, durante a divulgação de Emilia Perez no Brasil, Gascón acusou, sem provas, a “equipe” de Fernanda de promover uma campanha de difamação. “O que eu não gosto é que exista uma equipe de redes sociais que trabalha ao redor de todas essas pessoas tentando diminuir o trabalho de outras pessoas, como o meu, ou o do filme, porque isso não leva a lugar nenhum”, afirmou à Folha de São Paulo.

Após as acusações, fãs brasileiros se mobilizaram na internet e resgataram posts ofensivos de Gascón no X, antigo Twitter. Nas postagens, Karla Sofia agride a comunidade islâmica, ironiza a morte de George Floyd e faz comentários lesbofóbicos sobre a cantora Miley Cyrus. Com a chuva de críticas que se seguiu, a espanhola deletou a conta no X e se desculpou pelas declarações. Ela também parou de ir a premiações, mesmo indicada, enquanto Zoe e Selena seguiam com a divulgação do filme.

Emília Perez ainda tem chance no Oscar?

As questões envolvendo Emília Perez, no entanto, não afetaram o desempenho do filme em premiações que funcionam como um termômetro para o Oscar. Assim, é possível que as declarações do diretor francês e da protagonista espanhola não afetem a possibilidade do filme de levar pelo menos uma das impressionantes treze estatuetas a que foi indicado.

No final das contas, o maior prejuízo de Emília Perez “caiu no colo” de Karla Sofía Gascón e suas declarações preconceituosas - afinal, ela não foi responsável pela escolha do elenco, tampouco pela abordagem da cultura mexicana nem por optar pelo uso de inteligência artificial — sim, o filme usou IA para melhorar as vozes do elenco.

Ainda assim, Emília Perez recebeu elogios de parte do público e da crítica no Brasil - e é uma obra bastante original. Não só pelo enredo, mas também pelo modo como aborda, com música, temas como transexualidade, narcotráfico e a crise de desaparecidos no México.

Quem não gosta de musicais, provavelmente não se empolgará com Emilia Perez. Porém, o escritor francês — por coincidência — Victor Hugo, autor de “Os Miseráveis”, diz, no livro “William Shakespeare": a “música expressa o que não pode ser dito e o que não pode ser suprimido”. É o que acontece em Emília Perez quando, por exemplo, Rita Mora Castro canta sobre a corrupção política critica a elite mexicana em “El Mal” - que concorre ao Oscar de melhor canção. Também é tocante a performance de Jessi em “Bienvenida”, sobre a volta para o México após anos criando os filhos sozinha na Suíça.

“Emilia Perez” é um filme empolgante e fora da curva que arrisca trocar uma noite triunfal no Oscar por uma “torta de climão” - ganhando ou perdendo.

Jornalista pela UFMG com passagem pela Rádio UFMG Educativa. Na Itatiaia desde 2022, atuou na produção de programas, na reportagem na Central de Trânsito e, atualmente, faz parte da editoria de Política.