Raul Seixas nasceu em Salvador, no dia 28 de junho de 1945, e morreu em São Paulo no dia 21 de agosto de 1989, aos 44 anos, vítima de uma pancreatite provocada pelo consumo excessivo de álcool. Ainda na infância, Raul ficou fascinado pelos trejeitos sonoros e visuais de Elvis Presley, e começou a imita-lo.
Já morando no Rio de Janeiro, torna-se produtor musical de discos, até conseguir lançar o próprio álbum e engatar uma carreira com inúmeros sucessos, como “Cowboy Fora da Lei”, “Metamorfose Ambulante”, “Tente Outra Vez”, “Sociedade Alternativa”, “A Maçã”, “Ouro de Tolo”, e outros.
“Al Capone” (rock, 1973) – Raul Seixas e Paulo Coelho
Só mesmo com a irreverência de Raul Seixas para passar um pito no mais famoso mafioso de todos os tempos com acento baiano. “Hei, Al Capone, vê se te emenda/ Já sabem do teu furo, nego/ No imposto de renda.../ Hei, Al Capone, vê se te orienta/ Assim desta maneira, nego/ Chicago não aguenta...”, inicia o rock “Al Capone”, parceria de Raul e Paulo Coelho lançada em 1973, no disco de estreia do cantor, “Krig-ha, Bandolo!”.
Ali, já apareciam marcas do trabalho de Raul, como o interesse histórico e a mania de misticismo. Além de Al Capone, outras personagens históricas são convocadas à baila, como o imperador Júlio César, o cangaceiro Lampião, Jimi Hendrix, Frank Sinatra e até Jesus Cristo. “Ei, Jesus Cristo, o melhor que você faz/ É deixar o Pai de lado E foge pra morrer em paz...”, canta Raul. Esta música foi regravada pelo CPM22.
“Gita” (rock, 1974) – Raul Seixas e Paulo Coelho
A partir de “Gita”, Raul Seixas tornou-se um fenômeno nacional. A música, parceria com Paulo Coelho, foi lançada em um compacto simples, em 1974, ao lado de “Não Pare na Pista”. Meses depois, chegou às prateleiras o álbum de mesmo título, o terceiro da carreira de Raul.
“Gita” fechava os trabalhos. O título, misterioso, carregava o misticismo cada vez mais latente de Raul e era uma referência a um dos textos sagrados do hinduísmo, o “Bhagavad Gita”, que faz parte do “Mahabharata”, fundamental para a cultura indiana.
A letra traz uma abordagem ao estilo de Raul para esse diálogo existencial travado pelos hindus. E Ney Matogrosso a regravou ao comemorar 80 anos de vida em 2021.
“Sociedade Alternativa” (rock, 1974) – Raul Seixas e Paulo Coelho
Em 1974, Raul Seixas e Paulo Coelho pretenderam criar uma “Sociedade Alternativa”, espécie de retiro hippie que seria erguido em uma cidade de Minas Gerais, baseada nos preceitos do bruxo Aleister Crowley, onde eles construíram a autodenominada por eles, “Cidade das Estrelas”.
Os princípios eles transforaram em letra de música, lançada por Raul no mesmo ano de 1974. “Se eu quero e você quer/ Tomar banho de chapéu/ Ou esperar Papai Noel/ Ou discutir Carlos Gardel/ Então vá!/ Faça o que tu queres, pois é tudo da lei!”.
A ideia de liberdade, infelizmente, terminou em quiproquó. Raul e Paulo Coelho foram presos, torturados e exilados pela ditadura militar brasileira.
“Como Vovó Já Dizia” (rock, 1974) – Raul Seixas
Clara Nunes e Raul Seixas guardam mais em comum do que supõe a nossa vã filosofia. Embora os olhares sejam diferentes, ambos recorrem às figuras da avó como expressão de sabedoria.
Essa figura, que em culturas orientais é tida como anciã e guardiã do conhecimento, recebe de Raul Seixas um olhar rebelde, diferente da admiração de Clara na música “Coisa da Antiga”, de Nei Lopes e Wilson Moreira.
Raul, ao contrário, é irônico ao demonstrar, de maneira codificada, a argúcia de comportamentos considerados transgressores, como, por exemplo, o uso de drogas ilícitas. Nessa ladainha, reproduz ensinamento da avó: “a banana é vitamina que engorda e faz crescer”, mas também rebate: “a formiga só trabalha porque não sabe cantar”.
“Super-Heróis” (rock, 1974) – Raul Seixas e Paulo Coelho
A parceria entre Raul Seixas e Paulo Coelho rendeu diversos frutos para a música popular brasileira, dentre eles clássicos do porte de “Eu Nasci Há Dez Mil Anos Atrás”, “Gita”, “Tente Outra Vez”, “Al Capone” e “A Maçã”. Raul tomou contato com a obra de Paulo Coelho através de um artigo do escritor sobre extraterrestres publicado na revista “A Pomba”, e logo se interessou.
Em 1974, eles criaram e compuseram a “Sociedade Alternativa”, uma espécie de retiro hippie. No mesmo ano, lançaram o rock “Super-Heróis”, nascido durante uma viagem à Disney. A letra mistura os mais variados personagens da cultura pop. “Pedi cerveja e convenci o garçom do botequim a não pagar o tal do casco...”.
“Medo da Chuva” (balada, 1974) – Raul Seixas e Paulo Coelho
Uma das composições mais sensíveis do inventivo Raul Seixas, “Medo da Chuva”, escrita em parceria com Paulo Coelho, é uma peça romântica em sua estrutura e na letra, que não se esquiva de roçar no melodrama para alcançar aquele poder de reflexão capaz de tocar toda e qualquer pessoa, pelo caráter da própria obra do baiano, entre o sofisticado e o popular.
A história capta o momento de ruptura entre um casal, e as metáforas são precisas: enquanto as pedras são a imagem da covardia, do conforto, do costume, da segurança ineficiente e imóvel, da esterilidade, a chuva é a representação da mudança, da coragem, da renovação, do desafio, da vida em contínuo movimento.
Algo tão real quanto místico. Afinal a mitologia grega se espelha na observação da natureza para erguer seus deuses. E a chuva é certamente uma das mais poderosas e mais temíveis. Como a da esperança. “Pois a chuva voltando pra terra/Traz coisas do ar…”.
“A Maçã” (balada, 1975) – Raul Seixas, Paulo Coelho e Marcelo Motta
A tradição romântica marca a música brasileira desde o seu princípio, com valsas e boleros eternizados por nomes como Carlos Galhardo, Francisco Alves e outros apaixonados do gênero. Os primeiros ritmos com acento nacional, como as serestas e o samba-canção, também seguiram esse estilo, destacando cantoras cuja entrega era possível sentir nas letras e interpretações, casos de Dolores Duran, Dalva de Oliveira e, mais à frente, Maysa. Em 1975, Raul Seixas, ao lado de Paulo Coelho e Marcelo Motta, refletiu sobre o amor a partir do ponto de vista da liberdade e, até, das amarras.
“Tente Outra Vez” (balada, 1975) – Raul Seixas, Paulo Coelho e Marcelo Motta
Raul Seixas sempre foi um artista místico, mas essa característica atingiu seu pico quando do encontro com Paulo Coelho. Foi ao lado dele e de Marcelo Motta que o “maluco beleza” compôs um dos hinos mais emblemáticos da carreira, um louvor à fé e à não desistência.
“Tente Outra Vez”, balada de 1975, lançada no disco “NOVO AEON” sublinha, sobretudo, a força de continuidade inerente à vida, presente na natureza e, por conseguinte, à condição do homem.
Foi com versos embebidos numa melodia de teor religioso que Raul, cuja canção é, ainda hoje, muitas vezes ligada ao universo da autoajuda, criou uma das músicas mais espirituosas de seu repertório, em todos os sentidos. “Tente Outra Vez” já diz por si só, no título, o recado da vida. Foi regravada por Sandra de Sá, Barão Vermelho, Chitãozinho & Xororó, e etc.
“Eu Nasci Há Dez Mil Anos Atrás” (rock, 1976) – Raul Seixas e Paulo Coelho
A longa saga descrita pela música de Raul Seixas e Paulo Coelho, lançada no disco do “Maluco Beleza” em 1976, faz um périplo pela história da humanidade e, claro, não poderia deixar passar um de seus fatos mais traumáticos. A Inquisição promovida pela Igreja Católica, que assassinava pessoas tidas como bruxas na fogueira, por desviarem do comportamento padrão da época. Uma das vítimas mais conhecidas das atrocidades foi a revolucionária francesa Joana D’Arc. Seixas destaca essa prática no verso: “Eu vi as bruxas pegando fogo pra pagarem seus pecados”.
“Eu Também Vou Reclamar” (balada, 1976) – Raul Seixas e Paulo Coelho
Em 1976, a dupla de compositores Raul Seixas e Paulo Coelho lançava mão de toda sua ironia na música “Eu Também Vou Reclamar”, crítica nada velada à MPB e também ao cantor Silvio Brito, que tem a sua canção citada na letra. “Ligo o rádio e ouço um chato/ Que me grita nos ouvidos/ Pare o mundo que eu quero descer...”, ironiza Raul, com toda sua acidez.
A letra traz outros momentos preciosos, que mostram a habilidade dos compositores em combinar momentos do cotidiano com reflexões sobre o cenário político e social. “Entro com a garrafa de bebida enrustida/ Porque minha mulher/ Não pode ver”, admite Raul em outro verso. A balada, claro, provocou burburinhos.
“Canto Para Minha Morte” (tango, 1976) – Raul Seixas e Paulo Coelho
Raul Seixas é um desses casos raros na história da arte, capaz de combinar uma alta carga reflexiva a um sucesso popular de arrasar quarteirões. O existencialismo do “Maluco Beleza” aparece em letras clássicas, como “Eu Nasci Há Dez Mil Anos Atrás”, “Gita”, “O Dia Em Que a Terra Parou”, “Medo da Chuva”, “A Maçã” e muitas outras.
Nenhuma delas, no entanto, coloca tanto o dedo na ferida de uma questão essencial para Raul como “Canto Para Minha Morte”, parceria com Paulo Coelho que ele transformou em tango, com direito a declamação: “que eu quero e não desejo, mas tenho que encontrar”, filosofa ele.
“Aluga-se” (rock, 1980) – Raul Seixas e Cláudio Roberto
O humor ácido e sarcástico do baiano Raul Seixas aparece nesse rock em parceria com Cláudio Roberto lançado em 1980. Embora a música já fosse um sucesso na interpretação do autor, ela tornou-se ainda mais popular uma década depois, durante os anos 1990, quando a banda paulistana “Titãs” a regravou em ritmo e cantoria ainda mais raivosas e indignadas.
O que só dá provas de que o Brasil, aos trancos e barrancos, sempre volta aos mesmos problemas. Nesta canção, Raul, assumidamente influenciado pela cultura norte-americana, propõe uma solução para o país tupiniquim. Alugar o terreno e deixar os gringos explorarem. “Nós não vamos pagar nada…”, explica. O humor não tem preço.
“Rock das ‘Aranha’” (rock, 1980) – Raul Seixas e Cláudio Roberto
Em 1980 o baiano Raul Seixas, que sempre gostou de mesclar o rock a ritmos brasileiros e idolatrava tanto Elvis Presley quanto Luiz Gonzaga, também entrou na onda do duplo sentido, bem à sua maneira. Criou com o parceiro Cláudio Roberto a história da cobra que observa a briga de duas aranhas, numa óbvia alusão aos apelidos dados aos órgãos sexuais no Brasil.
E como era de costume fazia troça de qualquer movimento que se insurgia pretensiosamente, no caso, alas mais radicais do feminismo. A relação lésbica é observada por Raul com curiosidade e desejo, ansioso por participar dessa festança da natureza. “Vem cá mulher, deixa de manha/Minha cobra quer comer sua aranha…”.
“O Carimbador Maluco” (infantil, 1983) – Raul Seixas
Após o sucesso de iniciativas como a “Arca de Noé” e “Pirlimpimpim”, a Globo voltou a investir no formato em 1983, ao criar o programa “Plunct, Plact, Zuuum”. À época já relegado ao ostracismo pela indústria fonográfica, o eterno maluco beleza viu no convite a oportunidade de voltar às paradas de sucesso, embora fazer músicas para crianças não fosse exatamente a sua praia. Inspirado por sua filha Vivian, à época com dois anos de idade, Seixas criou canção e personagem que ficaram associados a ele até o fim da vida.
“Cowboy Fora Da Lei” (rock, 1987) – Raul Seixas e Cláudio Roberto
Raul Seixas é um artista iminentemente político, talvez por esse poder de transformação associado à sua figura tenha permanecido com tanta força como uma figura popular e lendária.
Depois de lançar vivas e efetivamente fundar os preceitos de uma “Sociedade Alternativa”, além de pregar ensinamentos cósmicos e de rebeldia, o “Maluco Beleza” lançou, em 1987, as suas considerações sobre assumir um cargo público.
“Cowboy Fora Da Lei”, parceria com Cláudio Roberto, debocha, logo no início, da forma arcaica e coronelista que fundou grande parte da nossa política. “Mamãe não quero ser prefeito/Pode ser que eu seja eleito/E alguém pode querer me assassinar”.