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Rita Lee abalou estruturas da caretice e hasteou a bandeira da liberdade

Cantora e compositora nunca se dobrou ao moralismo dos costumes e soube se reinventar musicalmente

Rita Lee deixou a irreverência e a liberdade como principais marcas de seu estilo nos palcos e na vida

Rita Lee se despediu dos palcos há dez anos. Mas só hoje, nesse dia 9 de maio de 2023, veio a despedida definitiva daquela que revolucionou a música brasileira com seus cabelos vermelhos e uma língua afiadíssima - tanto para o amor quanto para o sexo. Embora, seja bom dizer, essa despedida nada tenha de definitiva.

Rita Lee permanece, como uma presença influente na música e nos costumes brasileiros, graças a sucessos como “Lança-Perfume”, “Amor e Sexo”, “Ovelha Negra”, “Banho de Espuma”, “Chega Mais”, e tantas outras, a lista é interminável e varia de acordo com o gosto do cliente.

A travessia começou em 1968, o famoso ano que não terminou, dos protestos estudantis sobretudo na França, em Paris, mas que tomou o mundo todo. Ao lado dos irmãos Arnaldo Baptista e Sérgio Dias ela já apresentava uma de suas características. Seria uma eterna mutante, não por acaso assimilada pelo Tropicalismo, participando, com seus companheiros, do disco “Tropicalia ou Panis et Circensis”, também em 1968.

A aptidão para o escândalo e contra a caretice seguiria com os festivais de música, no fatídico encontro com Gilberto Gil em “Domingo no Parque”, empunhando guitarras que desafinavam o coro dos contentes, e na capa de discos em que surgia grávida, vestida de noiva, ou completamente nua, deitada na cama com Sérgio Dias e Arnaldo Baptista.

A saída do grupo, após cinco álbuns, não foi menos ruidosa. Rita se considerou expulsa, e o pretenso desprezo de Sérgio e Arnaldo, que se achavam músicos mais completos e apostaram na radicalização do psicodelismo, se mostrou equivocado.

Sem as amarras de um virtuosismo cada vez mais estéril, Rita se viu livre para abraçar sua vocação pop, o que fez logo de saída ao fundar a banda Tutti Frutti e, em 1975, colocar na praça o histórico LP “Fruto Proibido”, que revelou os hits “Agora Só Falta Você”, “Esse Tal de Roque Enrow” (parceria com Paulo Coelho), “Luz Del Fuego” e “Ovelha Negra”.

Devidamente adotada pelos tropicalistas, ela gravou, com Gil, “Refestança”, em 1977. Outro marco, tanto na vida quanto na música, aconteceu no final dos anos 1970: o encontro com o guitarrista Roberto de Carvalho, seu futuro marido e parceiro em sucessos do porte de “Doce Vampiro”, “Chega Mais”, “Mania de Você”, “Papai me Empresta o Carro”, e etc.

Rita seguiria nessa trajetória ascendente de sucessos durante toda a década de 1980, quando, já transformada em personalidade midiática, comandou programas de TV, compôs a trilha de abertura para o especial “Mulher 80”, da TV Globo, e se arriscou, inclusive, nas ondas do rádio, com uma atração que versava sobre canções e variedades.

A partir dos anos 1990, os sucessos rareiam, e Rita não se faz de rogada na hora de reciclar hits construídos ao longo de uma carreira pra lá de bem-sucedida. Grava um acústico MTV e se esbanja com as participações do grupo Titãs e de Cássia Eller. O último sucesso radiofônico chega em 2003, de maneira inusitada. Rita musica uma crônica de Arnaldo Jabor, e conquista a nova geração com suas comparações e reflexões descontraídas sobre “Amor e Sexo”.

O que fica da artista é o que ela disse, cantou e dançou em cima dos palcos da vida. A postura de irreverência diante das carrancas alheias, e o descompromisso com normas sem nenhuma razão de ser. Rita sabia que o único papel da arte é propor a liberdade ou, ao menos, alguma libertação.