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Documentário-ficção ‘Rua Guaicurus’ estreia no Cine Belas Artes

Dirigido pelo mineiro João Borges, a obra mostra a realidade das cerca de 2 mil profissionais do sexo no centro de BH

Cena do filme “Rua Guaicurus” que mostra a realidade das profissionais do sexo, sem filtros

De um despretensioso trabalho de pesquisa de arte e fotografia nos corredores e quartos de um dos maiores complexos de prostituição do país, nasceu o longa-metragem “Rua Guaicurus”, do cineasta mineiro João Borges. Mistura de documentário e ficção, o filme está em cartaz no Cine Belas Artes, em Belo Horizonte, e nas principais capitais do país.

Borges conta que sua ideia inicial era fazer um curta-metragem sobre a profissão, mas durante o trabalho de pesquisa, em 2016, ao fotografar os programas, as mulheres e transexuais, suas relações afetivas, suas histórias de vida e seus cotidianos, viu que tinha em mãos um material muito mais rico.

“Percebi que poderíamos sair do julgamento simplista para contar as narrativas daquelas pessoas que têm passagens tristes, pesadas. Muitas foram estupradas ainda crianças, por um tio ou um padrasto e eu fico pensando em que medida isso impactou na psiquê dessas mulheres, como interferiu nas decisões que tomaram na vida adulta”.

Borges, que contou com a ajuda de Marina França, pesquisadora do tema, e Francilins Castilho, fotógrafo e artista plástico, para escrever o roteiro do filme, diz que o resultado é uma obra sensível, delicada mas que, ao mesmo tempo, incomoda, porque o tema é incômodo mesmo. “A Rua Guaicurus existe desde os anos 50. Calcula-se que trabalhem nos hotéis da famosa travessia, entre duas a três mil pessoas. Mas muita gente prefere fingir que isso não acontece. Sobem o vidro do carro quando têm que passar por lá ou, às vezes, até frequentam o local, mas não assumem”.

Um dos maiores desafios que o cineasta enfrentou para fazer ‘Rua Guaicurus’ foi conseguir autorização de clientes e dos donos de hotéis para realizar as filmagens. Por isso convidou atores para desempenhar alguns dos papéis inspirados nas histórias que foram contadas como, por exemplo, a atriz Elizabeth Miguel, que trabalhou como garota de programa naquela rua entre 2014 e 2017. Ela conheceu o cineasta na época em que João realizava a pesquisa para o filme e foi convencida por ele a atuar. “Ela interpreta uma prostituta iniciante e esse é o mote pra gente entrar no assunto, pra entender porque ela está escolhendo aquele mundo, como funciona o ofício e os hotéis de prostituição da Guaicurus”, explica o diretor.

Questionado sobre o que diferencia seu trabalho de outros semelhantes como, por exemplo, “Bruna Surfistinha”, filme de Marcus Baldini, estrelado por Débora Secco em 2011. Borges acredita ser o fato de não contar uma história glamourizada. “Mostro a realidade crua, tal como ela é. As meninas cobram R$ 20 por programa, em média, e recebem oito, dez, às vezes, até 15 homens por dia. Há aquelas que têm mais atributos físicos, atendem em casa e recebem R$ 300, R$ 500, por programa, mas essas são exceção”.

A maior parte delas, segundo Borges, vêm do interior de Minas, outras de outros estados (“há hotéis com muitas cariocas, por exemplo); algumas se prostituem escondidas dos maridos e moram em bairros distantes da região metropolitana de Belo Horizonte. “Elas lidam com duplas personalidades, usam nomes de guerra, têm conflitos, medos e muitas inseguranças”, disse.

Quem quiser conferir “Rua Guaicurus”, segundo o próprio diretor, o filme não exagera nas cenas de sensualidade e sexo. Mas a censura é 18 anos.

O Cine Belas Artes fica na Rua Gonçalves Dias, 1581 - Lourdes.

Telefone: (31) 3252-7232

Maria Teresa Leal é jornalista, pós-graduada em Gestão Estratégica da Comunicação pela PUC Minas. Trabalhou nos jornais ‘Hoje em Dia’ e ‘O Tempo’ e foi analista de comunicação na Federação da Agricultura e Pecuária de MG.