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Lojistas de shopping popular em BH são ameaçados para deixar espaço e polícia investiga caso

Donos do Mercado Mineiro de Arte e Artesanato, inaugurado em 2022, teriam recebido uma proposta pelo prédio; guardas municipais foram flagrados trabalhando como segurança no local

Mercado Mineiro fica no prédio do antigo Cine México, que é tombado pelo Poder Público

Lojistas do Mercado Mineiro de Arte e Artesanato, localizado na avenida Oiapoque, no Centro de Belo Horizonte, denunciam que estão sofrendo pressão e sendo ameaçados pelos proprietários do local para deixar o espaço. A confusão, que envolve uma das famílias mais importantes da história da capital mineira e dois guardas municipais, é investigada pela Polícia Civil.

A galeria foi inaugurada em novembro de 2022 e ocupa o prédio do antigo Cine México, perto dos Shoppings Oiapoque e Xavantes. Segundo denúncias apuradas pela Itatiaia, os lojistas vêm sofrendo pressão para abandonar as lojas desde abril deste ano, após a dona do imóvel receber uma proposta para transformar o local em um shopping popular com foco em eletrônicos.

“Antes de inaugurar, a promessa era que fosse um local de artesanato e que os lojistas ficariam lá por muito tempo. De maio para cá, a empresa demitiu os seguranças uniformizados e contratou outros seguranças que andam armados. Não sabemos quem são, não falaram nada com a gente”, diz um lojista ouvido pela Itatiaia.

A presença de seguranças armados fez com que vários expositores deixassem o local. O clima foi ficando cada vez mais tenso até chegar ao ápice na última semana, após um lojista chamar a Polícia Civil para denunciar a ação de dois desses seguranças. Os agentes foram até o local e descobriram que os vigilantes eram guardas municipais que estariam trabalhando como vigilantes no local.

Segundo a apuração da Itatiaia, o contrato assinado por esses lojistas não garante um prazo mínimo para eles ficarem no espaço, mas dá apenas 30 dias de “aviso prévio” para o expositor comunicar sua saída ou o proprietário pedir a saída do lojista. A falta de garantia no contrato já preocupava os lojistas desde o início. Eles chegaram a questionar os donos do imóvel várias vezes, mas sempre ouviam a mesma resposta: “ninguém monta um shopping para fechar rapidamente”.

De quem é o Mercado Mineiro?

O imóvel é de propriedade da BHC, uma empresa do Grupo Funchal, que é administrada por descendentes de Antônio Luciano Pereira Filho, empresário bem-sucedido de Belo Horizonte que morreu em 1990. Além de ter sido dono do Hotel Financial e de muitas outras propriedades, Antônio ficou famoso por deixar uma herança estimada em US$ 3 bilhões e inspirou um personagem no romance “Hilda Furacão”, de Roberto Drummond (que virou minissérie na TV Globo).

Ex-curador confirma denúncias

Paulo Favaretto, expositor com quase 40 anos de Feira Hippie e representante da categoria, foi escolhido para ser o diretor e curador do Mercado Mineiro. À Itatiaia, Paulo contou que ele, a esposa e a filha eram responsáveis por quase tudo do shopping popular: administrativo, marketing, comercial e por aí vai. Ele deixou o cargo recentemente após ser desligado pela empresa responsável pelo imóvel. Paulo confirma as denúncias dos lojistas.

“Me chamaram para administrar o mercado. Fui atrás de expositores de várias feiras de Belo Horizonte e chamei eles para exporem seu trabalho ali. O projeto era diferente dos shoppings da região, era voltado realmente para a arte e o artesanato. Ajudei a montar o espaço do ‘zero’, carregando peso. Emagreci 15kg na época.”

Com o esforço dos expositores, Paulo afirma que conseguiu mudar a identidade do local, que antes era prejudicado pela presença de pessoas em situação de rua e de usuários de droga. Mas as melhorias acabaram chamando a atenção de um grande empresário, que teria feito uma proposta financeira aos donos do imóvel para ocupar o local. Desde então, o ambiente passou por mudanças e os lojistas passaram a conviver com pressões e ameaças.

Paulo destaca que os lojistas que foram para o Mercado Mineiro fizeram investimentos em seus espaços e, agora, não sabem como será o futuro. “Tem gente que vendeu carro, pegou empréstimo para montar loja. Tem gente com depressão, pessoas que estão dependendo de cesta básica. Eles dependem dessas lojas para sobreviver”, explica o administrador.

Segundo Paulo, essa situação não é inédita no local. O Shopping Belô, que foi inaugurado no mesmo local de 2015, fechou poucos meses depois por motivo desconhecido, dando prejuízo para muitos lojistas. Antes de ser o Mercado Mineiro de Arte e Artesanato, o Cine México também recebeu uma loja de produtos de festa.

Posicionamento

Em nota, a Polícia Civil confirmou que instaurou um inquérito para apurar as denúncias.

A Itatiaia não encontrou nenhuma informação sobre a BHC. A reportagem entrou em contato com o Grupo Funchal, suposto dono da BHC, pelos telefones e e-mail disponíveis na internet. Um representante da empresa nos disse que ainda vai se posicionar, mas de imediato informou que “o Grupo Funchal não tem relação com o imóvel em questão, que é da BHC”. O espaço segue aberto.

Já em relação aos dois guardas municipais denunciados por extorsão, a Guarda Civil Municipal de Belo Horizonte (GCMBH) informou que os agentes estavam de folga e portavam armas pessoais. A Corregedoria da GCM instaurou um procedimento disciplinar para investigar a conduta dos agentes. Eles foram ouvidos pela Polícia Civil e liberados.

Jornalista formado pela UFMG, com passagens pela Rádio UFMG Educativa, R7/Record e Portal Inset/Banco Inter. Colecionador de discos de vinil, apaixonado por livros e muito curioso.