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Churrasquinho por R$2: barraca de BH vende meia tonelada de sambiquira por mês com cachaça de brinde

História da trabalhadora que conquistou clientela fiel na periferia é contada na série Comida, Boteco e os Segredos de Belo Horizonte

Shleila vende meia tonelada de sambiquira por mês

São 17 horas na rua Petrópolis, altura do número 105, bairro Trevo, região da Pampulha de Belo Horizonte, bem no limite com Ribeirão das Neves, na entrada da Vila Bispo de Maura. É lá que Sheila Rodrigues de Morais, de 40 anos, estaciona o Palio branco, ano 2006, tira 400 espetos e começa mais um dia de trabalho. Há oito anos, ela vende espetinho em uma barraca improvisada no local e conquistou uma clientela fiel. E nem é pelo preço de R$ 2, com direito a uma cachaça de brinde. Sheila ganhou o reconhecimento e admiração dos fregueses graças ao churrasquinho de sambiquira, que a é parte de trás do frango que muitas pessoas jogam no lixo.

Sheila é a personagem da segunda matéria da série Comida, Boteco e os Segredos de Belo Horizonte, veiculada em três episódios no Jornal e no site da Itatiaia. Ela vende meia tonelada da iguaria por mês e é conhecida na região como a ‘rainha da sambiquira’. Enquanto Sheila acende a churrasqueira, um dos clientes coloca ‘Cheia de Manias’, do grupo Raça Negra, na Jukebox antiga que ela disponibiliza no local. “Desliga, a Itatiaia está fazendo entrevista comigo sobre a sambiquira”, pede a dona. Por trás da simpatia da rainha da sambiquira, há uma vida difícil.

Viúva duas vezes, Sheila é mãe de três filhos, com idades entre 5 e 23 anos. O primeiro marido cometeu suicídio aos 33 anos, em 2012, dentro da casa da família. O segundo, teve complicações da Covid-19 e morreu de infarto em 2021. Nessa época, o casal já fazia espetinho e Sheila fez do trabalho uma ferramenta para manter a família e se livrar da depressão.

“Minha vida e a vida dos meus filhos é isso aqui, graças a Deus. Hoje a gente vive disso. Faço com amor e muita satisfação. A sambiquira dá um pouco de trabalho e acaba que você distrai a cabeça e esquece muitos problemas. Eu tinha depressão, mas Deus me abençoou que consegui entreter com a sambiquira. A gente acaba entretendo, trabalhando e vivendo”, disse Sheila, que é Microempreendedora Individual (MEI) e chegou a ter dois funcionários: “A pandemia de Covid-19 atrapalhou muito”.

‘Ganho no giro’

Além da Sambiquira, o espetinho tem churrasquinho de pernil e de filé frango. Em razão do preço, carne de boi fica inviável. Para manter o valor de R$ 2, ela explica que compra grandes quantidade direto de fornecedores. “Pago R$ 5 no quilo de sambiquira. E é ela que me ajuda a manter esse valor de R$ 2. Eu ganho no giro”, diz a trabalhadora, que está sempre com o sorriso no rosto. No entanto, explica que é necessário fazer um trabalho de limpeza minucioso e mostra as marcas de cortes nas mãos:

“É por isso que ninguém gosta de mexer com sambiquira. Tem que limpar, tirar as penas, a parte de cima e os caninhos. Geralmente, os caninhos ficam presos e tem que tirar. Depois é temperar, espetar e embalar”, explicou Sheila, que, graças ao trabalho, paga o aluguel de R$ 700 em BH e mantém a família.

Sucesso

A sambiquira de Sheila conquistou, inclusive, o paladar do chef Flávio Trombino, dono do restaurante Xapuri, referência em gastronomia mineira em Belo Horizonte.

“Dona Sheila é uma empreendedora nata. O negócio dela é uma grande aula de marketing e de hospitalidade. Isso tudo corado por um espetinho maravilhoso, muito bem temperado e assado. Quem não conhece, recomendo conhecer”, indica chef Flávio Trombino.

O sucesso da sambiquira levou Sheila ao Fuegos Festival, evento que reuniu, no último sábado (20), no Parque da Gameleira, em Belo Horizonte, assadores e chefs premiados de todas as regiões do Brasil.

Compra 10 e ganha 1

O espetinho funciona de segunda a sexta, a partir das 18h. A reportagem da Itatiaia foi ao local e, por volta das 17h30, clientes já esperavam o churrasquinho. É o caso do padeiro José Henrique, 27 anos, morador da ocupação Dandara. Ele desceu de um ônibus no ponto em frente ao espeto e encomendou dez unidades. “Sempre passo aqui e peço. A gente pede dez e ganha um. Tenho filho, esposa e levo pra eles. A gente acaba jantando com o espetinho”, disse o jovem, que não tem dúvida ao apontar o preferido:

“Sambiquira. Ela é mais suculenta, com mais gordura, e é a melhor que tem. Dá pra descer dez (espetos) tranquilo. O preço é o melhor. R$ 2 cabe no bolso de todo mundo. Aí fora o espetinho custa R$ 8, R$ 10. Aqui é o mais barato que tem. E ainda compra dez, ganha 1 e ainda leva uma cachacinha”, lembrou.

O cabeleireiro Harlei Avelino, 50 anos, chegou ao espetinho com a esposa Graziele e a filha Letícia. “Recomento demais. O espetinho de sambiquira é espetacular. O preço é acessível”, destacou. A esposa concorda. "É uma delícia. Bem temperadinho, gostinho de carne de frango saborosa”, disse. Ela lembrou ainda que Sheila doa espetinhos para crianças da comunidade que não têm condição de comprar.

Sem preconceito

Chef de cozinha e professora de Gastronomia, Cidinha Lamounier considera a espetinho de sambiquira ‘simplesmente uma magia’. “A gente sabe que as pessoas são muito preconceituosas com a alimentação. Então, tira a sambiquira e dispensa. Não precisa disso. Qualquer parte do alimento deve ser aproveitada. No caso da sambiquira, um bom tempero, uma boa marinada, às vezes com vinho, às vezes seco mesmo, com ervas e especiarias, é um petisco delicioso, destaca a chef.

“É o uso total do alimento. E isso faz a diferença. Mineiro adora essas coisas. Para quem é de Minas Gerais, tudo vira uma festa e um petisco para acompanhar a nossa cervejinha”, completa.

Onde fica?

Rua Petrópolis, altura do número 105, bairro Trevo, Pampulha - BH
Funcionamento: segunda a sexta, a partir das 18h

Ouça abaixo a matéria completa:

Nesta quinta-feira (25), a série Comida, Boteco e os Segredos de Belo Horizonte mostra a história do bar que tem quase 30 anos de tradição na rua Guaicurus, baixo meretrício da capital.

Veja o vídeo completo:

Produção e texto: Rômulo Ávila/ Fotos e vídeo: Naice Dias/ Edição de áudio: Aline Campolina/ Sonorização: Leonardo Martiniano.

Confira mais sobre a série:

Jornalista formado pela Newton Paiva. É repórter da rádio Itatiaia desde 2013, com atuação em todas editorias. Atualmente, está na editoria de cidades.