“Meu pai teve um problema no intestino e precisou fazer a cirurgia de colostomia. Essa cirurgia foi adiada ou prorrogada por conta da falta de anestesista. Depois dessa cirurgia, ele teve uma complicação e, de novo, não tinha anestesista.”
Não faltam anestesistas em Belo Horizonte. Na verdade, o que faltam são anestesistas que querem trabalhar na rede pública. O motivo: salário defasado, e lastimáveis condições de trabalho. Com isso, cada vez mais, profissionais abandonam o Sistema Único de Saúde (SUS). E o pior: antes eram os pediatras, agora os anestesistas, e também os cirurgiões, estão indo embora. Neste ciclo, se nada for feito, pode haver um apagão na saúde pública.
A Itatiaia começa a publicar nesta segunda-feira (23) uma série de reportagens sobre a falta de anestesistas na capital e no interior. Muitos procedimentos só podem ser realizados com a assistência desse profissional. A reportagem conversou com entidades e especialistas sobre as razões desse problema e ouviu gestores sobre a dificuldade em resolvê-lo e relatou o drama de quem perdeu ou teve agravado o estado de saúde de um parente, à espera de uma cirurgia por falta de anestesistas.
No limite
Um dos grandes hospitais da capital mineira, segundo fontes internas, em plantões que deveriam ter 34 médicos, opera com média de apenas 20. E dos nove anestesistas necessários, há apenas sete. Procedimentos cirúrgicos que poderiam ser feitos em minutos, podem demorar de três a quatro horas, por falta de equipamentos especiais ou profissionais.
A prefeitura confirma que está fazendo um levantamento para realizar novos concursos em várias áreas médicas. Sobre anestesistas, diz que já faz contratação neste momento para suprir o déficit.
O professor, gestor em saúde pública e ex-diretor da Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais (Fhemig), Marcelo Lopes Ribeiro, diz que tem médico trabalhando até em outros estados, para ter melhor condição de trabalho.
“Não existe a falta de profissionais no mercado, mas existe a falta deles no serviço público. Às vezes as pessoas pensam assim: o médico está pensando só no dinheiro. Mas, na verdade, ele não tem condição de trabalho e o salário não é bem qualificado”, disse.
São Paulo tem se tornado um destino comum entre os anestesistas. “Eles vão lá dar plantão e voltam porque é mais benéfico. É melhor do que ele ficar aqui enfrentando tudo isso”, afirmou.
Sobrecarga no interior
Dulce Pimenta é membro do Conselho das Secretarias Municipais de Saúde daqui de Minas. No interior, ela afirma que o sistema está sobrecarregado, e cirurgias estão sendo adiadas.
“Na região Norte de Minas, está havendo uma falta desse profissional já há algum tempo e, com isso, cirurgias de complexidade que poderiam estar sendo realizadas nos municípios pólo de microrregião, não estão sendo realizadas e estão sendo levadas para Montes Claros. Com isso, está havendo uma superlotação”, disse.
E há várias queixas dos médicos do interior, também relacionadas ao salário e condições de trabalho. “A grande maioria deles tem um vínculo que não dá o direito a uma remuneração fixa e férias. Eles ainda relatam que o valor repassado é somente o que está na tabela SUS”, finalizou.
Nesta terça-feira (23), a reportagem vai ouvir as queixas recebidas pelo sindicato da categoria, e também, a situação da capital mineira. No último episódio, a Fhemig vai responder às cobranças.