O Panorama dos Resíduos Sólidos no Brasil divulgado pela Associação Brasileira de Resíduos e Meio Ambiente (ABREMA) mostra que o país está em transição: sai de um modelo baseado quase exclusivamente em disposição em aterros e áreas inadequadas e caminha para um gerenciamento que inclui reciclagem, compostagem, coprocessamento e logística reversa estruturada.
Nesse contexto, resíduos de natureza química presentes em embalagens, óleos, medicamentos, pilhas, baterias e produtos perigosos passam a ser vistos não apenas como passivo ambiental, mas como
Ao estabelecer a responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos, a Política Nacional de Resíduos Sólidos abriu espaço para que fabricantes, importadores, distribuidores e comerciantes sejam obrigados a viabilizar sistemas de retorno e reaproveitamento de materiais pós-consumo, reduzindo a extração de matérias-primas virgens. O Panorama registra que, somente em 2023, mais de 1,7 milhão de toneladas de materiais foram destinadas de forma ambientalmente adequada via sistemas de logística reversa, reforçando a relevância desses fluxos como fonte de insumos industriais.
Embalagens e óleos: plástico e lubrificantes voltam à indústria
Entre os exemplos mais claros de reaproveitamento de resíduos químicos como insumo está o sistema de embalagens plásticas de óleos lubrificantes, operado pelo Instituto Jogue Limpo. Em 2023, foram recuperadas 5.701 toneladas dessas embalagens, das quais cerca de 95% seguiram para reciclagem, sendo transformadas em novos insumos industriais ou encaminhadas para outras destinações ambientalmente adequadas.
Os óleos lubrificantes usados ou contaminados (OLUC) também são reinseridos na cadeia produtiva, com fabricantes e importadores obrigados a coletar quantidade equivalente ao produto novo colocado no mercado. Em 2023, aproximadamente 56,7 milhões de litros de OLUC foram coletados, com recuperação de 49% do volume colocado no mercado, alimentando processos industriais de rerrefino e geração de energia e reduzindo o descarte inadequado desse resíduo químico de alto risco.
Resíduos perigosos: agroquímicos, medicamentos, pilhas e lâmpadas
No campo dos produtos químicos de maior periculosidade, o Sistema Campo Limpo, operado pelo inpEV, reaproveita resinas obtidas da reciclagem de embalagens de agrotóxicos na fabricação de itens como tubos para efluentes, postes de sinalização e cruzetas de energia. Em 2023, o programa superou a meta e recuperou 53,2 mil toneladas de embalagens, evitando que esses resíduos e seus resíduos químicos associados fossem parar em lixões, solo ou cursos d’água.
Medicamentos vencidos ou em desuso e suas embalagens, acompanhados pelo programa LogMed, também seguem para rotas de coprocessamento, incineração ou aterros classe I, em vez de serem descartados no lixo comum ou em esgotos. Em 2023, foram recuperadas 439 toneladas desses materiais, volume 68% superior ao do ano anterior, em um sistema que já acumula mais de 750 toneladas destinadas adequadamente desde 2021.
Pilhas, baterias e lâmpadas, por sua vez, entram em circuitos específicos de recuperação de metais e substâncias químicas. A Green Eletron recolheu 161 toneladas de pilhas e baterias em 2023, enquanto a Reciclus recuperou 9,05 milhões de lâmpadas (cerca de 1.320 toneladas), com processos que separam, descontaminam e encaminham o mercúrio e demais componentes para novos usos industriais, mitigando riscos toxicológicos.
Coprocessamento e CDRU: resíduos viram energia e matéria-prima
Outra frente relevante de reaproveitamento de resíduos com forte componente químico é o uso de Combustível Derivado de Resíduos Urbanos (CDRU) pela indústria cimenteira. Em 2023, aproximadamente 47,6 mil toneladas de CDRU foram produzidas no Brasil a partir de 144,2 mil toneladas de resíduos selecionados pelo seu poder calorífico, em um processo que aproveita cerca de 33% da massa recebida nas unidades de preparo.
Esse combustível substitui o coque de petróleo em fornos de clínquer e, além de gerar energia térmica, tem suas cinzas incorporadas ao próprio clínquer, caracterizando um duplo reaproveitamento: energético e como matéria-prima mineral. Trata-se de uma forma de valorização de resíduos que reúne componentes orgânicos e químicos variados, reduzindo o envio de materiais a aterros e contribuindo para a descarbonização da cadeia do cimento.
Biometano: química dos resíduos a serviço da energia
A decomposição da fração orgânica dos resíduos sólidos urbanos em aterros sanitários gera biogás, mistura rica em metano que, após purificação, se transforma em biometano, um combustível com propriedades equivalentes às do gás natural. O Panorama destaca que, em unidades estruturadas para esse aproveitamento, o biogás passa por etapas de remoção de umidade, dióxido de carbono e impurezas químicas, resultando em um gás purificado apto a uso industrial, veicular e residencial.
Segundo a publicação, o Brasil já possui plantas de biometano em operação e em processo de autorização que, juntas, podem alcançar capacidade de cerca de 1,1 milhão de Nm³/dia, sendo 74% dessa capacidade associada a aterros de resíduos sólidos urbanos. Em um cenário tangível, o potencial de produção de biometano a partir de RSU pode chegar a 2,86 milhões de Nm³/dia, o equivalente a aproximadamente 5% da demanda nacional atual por gás natural, mostrando como a química dos resíduos se converte em insumo energético estratégico.
Economia circular, empregos e competitividade industrial
O reaproveitamento de resíduos com componentes químicos, seja como matéria-prima reciclada, seja como combustível alternativo, insere-se em uma agenda mais ampla de economia circular apontada pelo Panorama 2024. A publicação enfatiza que a melhoria do design de produtos, a responsabilidade estendida do produtor e o fortalecimento de cadeias de logística reversa são cruciais para maximizar a vida útil dos materiais e facilitar sua reinserção produtiva.
Além dos ganhos ambientais, o setor de gerenciamento de resíduos sólidos já responde por mais de 386 mil empregos diretos, podendo gerar mais 15 mil postos de trabalho com a expansão da produção de biometano em aterros sanitários, de acordo com estimativas baseadas em estudos do estado de São Paulo extrapolados para o país. Nesse cenário, resíduos antes vistos como problema químico passam a compor a estratégia de competitividade industrial, segurança energética e inovação ambiental no Brasil.
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