Mineiro nascido em Rio Casca, mas que cresceu em Belo Horizonte, mais especificamente na Vila Polônia, na Regional de Venda Nova,
O artista de 42 anos conversou com a Itatiaia e contou um pouco da sua trajetória e do trabalho e como a música teve papel transformador em sua história.
Tiocapone conta que a infância pobre, próxima do crime, poderia tê-lo feito seguir pelo meu caminho, porém, a música, o violão — construído por ele próprio, que não podia comprar um —, deram um novo panorama para sua vida.
“Ainda na minha adolescência, eu desenhava, eu pintava, e me apaixonei por música, porque eu vi um amigo meu na escola tocando um violão. Pedi para ele me ensinar acordes. Ele me ensinou e falou que eu tinha que praticar, senão não iria aprender. Então fui construir um violão para mim, de lata, arames, um anzol, parafusos e tal, e fiz uma estrutura de um violãozinho que me permitiu treinar quatro acordes”, relembrou.
O irmão de Tiocapone não teve a mesma sorte e acabou entrando no crime, de onde não conseguiu sair, sendo assassinado. A música impediu que o artista tivesse o mesmo destino.
“Infelizmente, a arte não encontrou ele, ele não encontrou a arte. Eu sei que eu só estou aqui hoje por causa dessa minha paixão pela música. A música me salvou, então eu trato a arte e a cultura como salvação”, afirmou.
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‘O Lado Negro das Coisas’
Tiocapone conta que em seu álbum ele buscou apresentar três aspectos: a sonoridade forte e marcante do hip-hop, os efeitos sonoros que fazem parte do cotidiano periférico e de sua construção como ser e que todas as músicas terminam com sua minha voz, os instrumentos silenciam.
“São sirenes, disparos de tiro, som de escola, entre outros. Cada música tem um som. Tem um som da máquina de costura da minha mãe em uma das músicas, o que reforça a ancestralidade, a construção familiar, matriarcal, som da máquina de costura, então todos esses sons dialogam com a musicalidade. Eu quero mostrar que a voz preta não se calará”, explicou.
‘O Lado Negro das Coisas’
Ele falou, também, do processo de produção do álbum, que vem sendo construído há mais de cinco anos. Trata-se de composições que falam de sua vivência, da vivência dos jovens que passaram por ele e do povo periférico no geral.
“Esse álbum carrega muita coisa forte, de resistência, de luta, mas também de alegria, de esperança. Trago nas letras falas sobre minha infância e adolescência, sobre o cotidiano de hoje, e também desses jovens, todos que passaram pelos projetos sociais”, afirmou Tiocapone.
O artista contou que o álbum tem um caráter mais que especial pela participação de “crias” dos seus projetos sociais.
“O Little Bag, um jovem muito promissor, canta muito, um compositor maravilhoso. A gente assina junto duas faixas. Tem o Emerson Urrodu, que também veio me encontrar através da música. Ele chegou querendo aprender, então comecei a ensinar e vi que ele tinha a manha na letra. Tem a Joice Andrade, uma jovem que também participou das oficinas por muitos anos”, disse ele.
‘Rock de Preto’
Tiocapone traz como “a cara” do álbum o “Rock de Preto”, gênero criado por ele. Segundo o artista, trata-se de uma mistura do rock tradicional, com percussividades, tambores ancestrais, beats de rap e funk, junto da distorção da guitarra do rock and roll.
Tiocapone
“O rock tradicional também foi criado por negros, mas foi embranquecido pela indústria fonográfica e pelo mundo. Quando a gente fala de rock, a galera pensa nos artistas e bandas brancas.
Eu passei isso na minha adolescência, esse preconceito, essa dificuldade de entrar nos lugares porque o povo não me enxergava como um cantor de rock. Como cresci na favela, eu era muito apaixonado pelas células rítmicas do funk, do rap, do trap. Então, o hip-hop também é muito presente na minha arte”, explicou.
O lançamento
Lançado na véspera do Dia da Consciência Negra, ‘O Lado Negro das Coisas’ visa deixar um marco na representatividade do mês de novembro, que endossa luta, resistência, batalha, busca por visibilidade, e também seu caráter de celebração.
“É um mês muito importante, que projeta ainda mais um tema que tem que ser discutido o ano inteiro, não somente no mês de novembro, mas o mês tem esse gostinho especial, ainda mais o Dia da Consciência Negra, que conquistamos como um feriado nacional. É muito marcante a gente fazer tudo na proximidade dessa data”, apontou Tiocapone.
O artista mineiro também agradeceu o trabalho coletivo e o apoio recebido para que o projeto e o show saísse do papel.
“O Tiocapone só está sendo possível pelos amigos que gostam e se apaixonam pelo trampo, que, assim como, acreditam que cada vez que o projeto é potencializado, mais pessoas são ajudadas, mais o Instituto Sôuai se fortalece, mais o Tiocapone e toda a equipe se fortalece. É um efeito multiplicador do bem”, afirmou.
Tiocapone durante show - Independência & Rock
A arte em Belo Horizonte
Tiocapone reforçou, ainda, a importância de representar e reforçar a arte negra em Belo Horizonte e em Minas Gerais.
“É muito bacana por ser um expoente na cena do rock de preto na cidade, criando um novo gênero, sendo referência para vários artistas, para a galera negra e a galera do hip-hop, do rock, que curte música, que curte cultura. Fico muito feliz da repercussão que tudo isso está tendo, sendo eu um artista aqui de Venda Nova e aparecendo na cidade”, apontou o artista.
Ele citou, também, a satisfação de ver o “corre” dando resultados. Segundo Tiocapone, trata-se de um reflexo da luta e da glória, das vitórias coletivas construídas.
“É muito importante ver a vitória das nossas atividades socioculturais, desse acreditar na arte, na cultura que salva vidas, possibilitando que a periferia sonhe em ter condições melhores”, finalizou.
Instituto Sôuai
Desde 2013, Tiocapone decidiu devolver à sociedade aquilo que a arte lhe deu. Junto da sua companheira Luana, ele criou o
Tiocapone no Instituto Sôuai
“No Instituto, nós temos projetos de artesanato, musicais, de ajuda para artistas locais, temos mostras e festivais como a ‘Mostra Preta’, que potencializa e ajuda na formação de artistas locais”, contou.