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Oncêvai 100: amor, verdade e sabor em nove anos de histórias sobre mesas de bar

Com nove anos de existência, o canal comemora 100 colunas publicadas na Itatiaia; conheça a trajetória

Renata Urbano e Bernardo Cançado criaram o Oncêvai em 2016 de lá pra cá, muitas mudanças, mas os mesmos valores

“Sempre tivemos como propósito falar além do que estávamos comendo. A comida é sentimento. É gosto, claro, mas é mais que isso. Por trás de estabelecimentos têm seres humanos e contar essas histórias, o contato com essas figuras protagonistas, mudou nossa relação com os bares, modificou nossa forma de viver, é o maior presente. A gente se adapta, muda, mas nunca vamos fugir do nosso propósito, que é falar dessas pessoas”.

Essas são palavras de Renata Urbano, de 38 anos, que ao lado de seu marido, Bernardo Cançado, também de 38, comandam o Oncêvai, perfil que compila vivências gastronômicas em Belo Horizonte e outros lugares do Brasil e mundo, e divulga agenda cultural gratuita da capital mineira. Além disso, na última semana, completou 100 colunas publicadas na Itatiaia.

Apesar de tratar-se de um resumo válido, chega a ser difícil explicar, em poucas linhas, tudo que o Oncêvai faz e representa, gastro, cultural e socialmente para BH e belo-horizontinos. Por isso, a Itatiaia, claro, sentou-se em uma mesa de bar com o casal por algumas horas, para ouvir parte do vasto acervo de histórias e vivências do casal mais boêmio da capital mineira e, quem sabe, do Brasil.

Vida boêmia

Em pouco tempo de conversa, foi possível notar que a boemia tem impactos gigantescos na vida de Bernardo e Renata, desde muito antes do Oncêvai.

Renata se diz “nascida e criada em botecos”. Quando ainda era criança e ganhou um irmãozinho, seu pai costumava levá-la junto dele a diversos bares de BH para que a mãe pudesse ter mais tranquilidade para cuidar o bebê recém chegado.

“Eu cresci realmente frequentando. Não tenho vergonha ou problema de entrar em qualquer boteco. É um ambiente familiar para mim”, contou ela.

Bernardo, por sua vez, não frequentou bares desde a infância, porém, a atuação de seu pai, Eduardo Cançado, em cervejarias o aproximou da vida boêmia. Já no início da vida adulta passou a frequentar bares clássicos da capital mineira.

“Sempre fui um cara mais comedido, diferente da Renata, e eu me sentia muito bem ficando sozinho nesses bares, tomando minha cerveja, comendo um tira-gosto, vendo jogos de futebol”, relatou.

Até mesmo o relacionamento do casal nasceu em uma mesa de bar. Renata conta que conheceu Bernardo há dez anos, um antes da criação do Oncêvai.

“A gente tinha essa paixão em comum pelos botecos, por estar junto o tempo todo, por fazer longas escalas, de bar em bar, fazendo vias sacras para conhecer lugares”, contou Cançado, ressaltando que dessa forma cultivou-se o amor e foi concebido o Oncêvai.

A felicidade do Oncêvai em seu habitat natural

No guardanapo de papel

Como em uma canção romântica clássica, a grande paixão do já casal Bernardo e Renata nasceu em um guardanapo de papel, em um boteco. A dupla queria estruturar um projeto para catalogar os bares que conheciam nas redes sociais Facebook e Instagram.

Eram dois os objetivos: criar um acervo sobre botequins da capital mineira para o casal e amigos próximos se guiarem e, especialmente, desmistificar a ideia, então comum, de que “não havia nada para se fazer em BH”.

“Naquele momento o Instagram despontava como uma rede social de foto e texto. Os vídeos eram mal recebidos. Então fazíamos um compilado pessoal. Além disso, começamos a perceber que estávamos frequentando sempre os mesmos lugares e tendo este projeto, buscaríamos outros lugares, em outras regionais”, contou Cançado.

Segundo ele, o Oncêvai também teve raízes na agenda cultural gratuita de BH, prestação de serviço existente até hoje, por meio de uma coluna fixa, publicada todas às sextas-feiras, na Itatiaia.

E dentro desse processo criativo, os bares voltaram a ser palco de duas decisões importantes: o nome e o logo do projeto. O casal, já com a ideia consolidada, definiu tudo, claro, em um boteco.

“A gente queria alguma analogia ao ‘mineirês’. Fizemos um brainstorm de nomes em um bar de jazz em São Paulo. Quando falamos ‘Oncêvai’, pronto, bateu, era esse. E lá mesmo, ouvindo um som, a Renata empolgadaça com o projeto pegou um guardanapo, pediu uma caneta para o garçom e começou a desenhar a logo”, contou Bernardo. “Falei que o A tinha que ser a bandeira de Minas, e foi assim”, completou Renata.

Uma semana depois, o Oncêvai estava no ar.

A logo do Oncêvai nasceu em uma mesa de bar, das maõs e mente de Renata Urbano

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Honestidade é inegociável

Apesar do projeto não ter nascido com grandes pretensões, sempre foi muito organizado. A formação do casal, ele social media, ela gerente de vendas, ambos formados em marketing e com MBA em comunicação digital, facilitaram a estruturação do Oncêvai.

Porém, o principal trunfo do Oncêvai não estava na importante competência de seus idealizadores, mas naquilo que definiram como inegociável — palavras de Bernardo —, no projeto.

“Temos um público muito qualificado, que chegou no começo e está com a gente até hoje. Que respeita a nossa história, o que construímos até aqui. Eles entendem que a gente cresceu, mas não percebem a diferença. Eles enxergam o Bernardo e a Renata do início, com as mesmas prioridades, mesmo enredo, carinho, ética, a mesma forma de tratar com carinho esse organismo que é o bar.

Sentimos que as coisas estão mudando, tem gente crescendo muito mais rápido, mas a gente deita com a cabeça no travesseiro toda noite sabendo que o que fazemos tem valores éticos envolvidos inegociáveis e a gente não abre mão deles”, apontou Bernardo.

“Hoje em dia parece que você tem que gritar para o mundo que você é honesto, quando isso é uma premissa básica. Tem nove anos que fazemos isso e são nove anos de honestidade. Isso é o básico”, acrescentou.

‘O maior presente’

O primeiro boom do Oncêvai aconteceu pouco antes da pandemia, porém, antes disso, o estilo único, mantido até os dias atuais, já galgava seu espaço.

“Uma coisa que sempre diferenciou o Oncêvai foi a capacidade de transmitir em textos muito bem escritos e em uma única foto o que aquele bar representava. Textos profundos sobre essa arte, cultura, sentimento, estilo de vida que esses botecos passavam para a gente. As pessoas se viam representadas naquele texto”, afirmou Bernardo.

Bernardo e Renata se orgulham da relação criada com os donos de bar em Belo Horizonte

‘As pessoas estão cansadas de ser enganadas’

Com o boom de perfis que indicam estabelecimentos alimentares, algumas polêmicas passaram a surgir. Entre as principais controvérsias, se destaca a questão dos conteúdos pagos, as famosas publis. Afinal, como confiar que um restaurante que pagou pela divulgação oferecerá o serviço com a qualidade daquilo que foi promovido? Porém, desse mal o Oncêvai não sofre. Bernardo e Renata deixam claro que trabalham com publicidade, porém, não de bares, restaurantes e afins.

“Alguns perfis só trabalham dessa forma, todo conteúdo é 100% pago e muitas vezes não é sinalizado como publicidade, o que vai contra as regras do Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar)”, começou Bernardo.

Segundo ele, é preciso saber diferenciar o criador de conteúdo autoral de quem vende espaço publicitário. Criadores irão te dar opiniões diferentes e você pode discordar delas. É diferente de quem vai dizer que gostou, tendo ou não, desde que tenha recebido.

“O Oncêvai, especificamente, fala mais não que sim para as propostas de publicidade. Já recusamos publis para multinacionais, recusei hoje uma campanha de batata frita congelada, porque tem nove anos que falamos que batata frita de verdade é a caseira. Isso mantém a credibilidade. É aqui que você separa o criador de conteúdo de verdade dos que não têm compromisso com o seguidor”, completou ele.

Renata destacou que o dinheiro das publicidades é essencial para que o trabalho seja feito, afinal, há um alto custo para colocá-lo em prática. Porém, o casal não admite que esses valores venham dos estabelecimentos.

Além disso, Bernardo apontou que tais polêmicas e perfis diferentes de influenciadores, com discurso de sinceridade mais evidente, têm surgido por demanda da população.

“As pessoas estão cansadas de serem enganadas. Então surgem pessoas mais diretas, mais objetivas, com a mesma ideia que a gente tem há nove anos. Nós fazemos de forma mais poética, mais sutil, às vezes deixamos de postar. Porém é o mesmo propósito de fazer bem feito, não mentir, ser sincero, ainda que em outros formatos e abordagens.

Não se pode enganar as pessoas por lucro. Isso é errado. É criminoso”, afirmou ele.

Ôncevai na Itatiaia

A chegada do Oncêvai à Itatiaia ocorreu por meio do apresentador Júnior Moreira, que, incentivado pelo apresentador João Vitor Xavier e pelo comentarista Alexandre Simões, fez o convite que garantiu a dupla como figurinhas carimbadas das manhãs de sábado nas plataformas da rádio, no programa Rádio Vivo, e às sextas, no portal.

No Rádio Vivo do último sábado (20), uma programação especial comemorou as 100 colunas do Oncêvai na Itatiaia. Donos de bares foram convidados e deram seus depoimentos, assim como Júnior Moreira. Bernardo e Renata ressaltaram a emoção vivida naquele dia.

“Aquilo foi muito forte, mexeu muito com a gente. O depoimento das pessoas, a reflexão do Júnior sobre mover a economia, uma cadeia de pessoas. É o garçom que vai receber melhor, a cozinheira que será reconhecida, a abertura das vagas de emprego, o fornecedor. Houve bares que fizeram reforma. O Laminense saiu de oito garçons para 18 após em uma semana, após aparecer na Itatiaia”, contou Renata.

Bernardo celebrou a presença do Oncêvai na Itatiaia pelo grande alcance do projeto, que chega a lugares onde nunca imaginaram.

“Recentemente recebemos um depoimento muito bonito de uma filha que contou que sua mãe, de 81 anos, não tem celular, não mexe em redes sociais, mas que a escuta da descrição que a Renata faz dos pratos e dos bares pelo radinho a faz viajar por todos esses lugares. Aquele objetivo lá do dia um, de contar histórias, mostrar o diferente, está intacto”, afirmou ele.

“As pessoas têm a mania de ver a gente na rua e gritar: ‘Oncêvai na Itatiaia’. É muita coisa boa para se orgulhar”, finalizou Renata.

Maic Costa é jornalista, formado pela UFOP em 2019 e um filho do interior de Minas Gerais. Atuou em diversos veículos, especialmente nas editorias de cidades e esportes, mas com trabalhos também em política, alimentação, cultura e entretenimento. Agraciado com o Prêmio Amagis de Jornalismo, em 2022. Atualmente é repórter de cidades na Itatiaia.
Somos Bernardo e Renata, o primeiro casal a ter uma coluna de rádio sobre gastronomia no Brasil. Apaixonados por boa comida, viagens, histórias e rolês, criamos em 2016 o Oncêvai, perfil para compilar nossas vivências na capital mineira e outros lugares que visitamos. Aqui falamos de eventos gratuitos em BH e promovemos a nossa forte cultura gastronômica.