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Você desinveste o presente?

Um dos grandes assaltos da vida contemporânea é a falta de tempo

Padre Samuel Fidelis

Um dos grandes assaltos da vida contemporânea é a falta de tempo. Aliás, não é que o tempo falte. O tempo é a substância da vida humana. Só mortos é que falta o tempo. Quem morreu não pertence mais ao mover do tempo. Descansa em paz. Em sentido diverso, para nós, os vivos, como lembrava Cazuza: “o tempo não para”...

Bom... Um dos grandes sequestros da vida moderna é o roubo do tempo. O combinado era de que a tecnologia nos possibilitaria o aumento do tempo livre. Com ela, em sentido diverso, o que se torna maior é a falta de tempo causada pela ânsia de produtividade. Com a modernidade, distraídos do que mais importa, o tempo passou a ser coisa, não que se investe, mas que se perde.

Que a vida requer tempo e que ela é investimento, que o amor floresce no tempo e é uma aposta, nenhuma pessoa razoável tem dúvida! Lógico! Temos que racionalizar compras, não fazer dívidas, articular, fazer; é preciso estar atento ao fato de que a vida não dá outra safra. Mas ao fim e ao cabo, estamos correndo tanto atrás de quê?

Então... Chegando aqui o texto já seria moral e suficiente... Isso na medida em que é doce nos lábios e amargo no estômago dizer que temos que ter “tempo de qualidade”. Mas vamos ser sinceros: ninguém escapa a esse estilo de vida de correria. Mas, sendo razoável, é possível, razoável, plausível encontrar brechas nessa nosso destino. Diríamos que a arte, a beleza, a contemplação vem bem a calhar!

Precisamos de arte, para, como dizia Nietzsche, não perecermos de nossas verdades. A vida que não é coisa fácil e na qual todos - já que só se vive uma vez e sem ensaio - somos amadores, fica mais leve com arte. Precisamos de beleza, pois a beleza está dedicada à eternidade. Isso sobretudo nestes tempos em que se confunde o belo com o filtro, em que a nudez, que é romântica e Sagrada, tornou-se tédio e escracho. Urge tempo para as coisas do alto. O ser humano é ser a beira do abismo sonhando com algo maior, infinito; com o amor...

Paulo esclarece, nas Escrituras - já naquele tempo! - que a vida tem “seus corres”. Mas é ele quem também diz: é preciso correr, mas não a toa. É preciso lutar, mas não como quem dá murros nos ar. Bisquemos coroas incorruptíveis (1 Cor 9, 25-26).

Não, não se trata de romantizar a vida, ou se iludir de que alguém vai dar conta de menos correia. Nem se trata de ter nostalgia com um tempo sem redes sociais, sem tanto trabalho. Viver de passado é desinvestir o presente. Trata-se, na verdade, de preencher o presente agitado, de instante, de respiro, de algo que seja memorável, generoso, eterno. A questão não é parar de correr, é - correndo ou parado - andar na direção certa e Com-sentido...

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Pró-reitor de comunicação do Santuário Basílica Nossa Senhora da Piedade. Ordenado sacerdote em 14 de agosto de 2021, exerceu ministério no Santuário Arquidiocesano São Judas Tadeu, em Belo Horizonte.

A opinião deste artigo é do articulista e não reflete, necessariamente, a posição da Itatiaia.