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Modernizar sem destruir: o desafio do novo licenciamento ambiental

Ainda resta uma esperança. O texto segue para sanção presidencial, e espera-se que vetos estratégicos resgatem parte do equilíbrio necessário

Câmara dos Deputados

Na semana passada, enquanto muitos sentiam o frio na madrugada, foi aprovado pela Câmara dos Deputados o Projeto de Lei 2.159/21, que cria a chamada Lei Geral do Licenciamento Ambiental. A proposta promete simplificar os trâmites, mas na prática, flexibiliza de maneira perigosa regras fundamentais para a preservação do meio ambiente. É o tipo de “agilidade” que pode sair caro.

O texto aprovado permite, por exemplo, a emissão de licenças por adesão e compromisso — modalidade autodeclaratória em que o próprio empreendedor diz se está tudo certo. Não exige estudo de impacto ambiental nem vistoria prévia. Também cria a Licença Ambiental Especial, pensada para projetos “estratégicos”, com análise simplificada e validade estendida. E mais: dispensa licenciamento em uma série de casos, incluindo a manutenção de estruturas já existentes, além de limitar a atuação de órgãos como o ICMBio, a Funai e o Iphan.

Não se trata de defender a burocracia pela burocracia. É evidente que o modelo atual precisa de ajustes. Em muitos casos, o licenciamento é travado por demora injustificável, exigências duplicadas e uma papelada que não garante resultado prático. Mas flexibilizar ao ponto de eliminar a função protetiva da lei é outro extremo — e perigosamente conveniente para quem prefere não prestar contas.

As leis ambientais foram criadas a duras penas, como resposta a tragédias evitáveis e à destruição de biomas que não se regeneram em ciclos políticos. Retirá-las do caminho para “acelerar o progresso” pode parecer moderno, mas é uma armadilha antiga. Sem critérios claros, com pouca transparência e sem o respaldo técnico necessário, o novo modelo abre espaço para abusos e desastres anunciados.

Ainda resta uma esperança. O texto segue para sanção presidencial, e espera-se que vetos estratégicos resgatem parte do equilíbrio necessário. É preciso modernizar o licenciamento, sim — com prazos razoáveis, processos digitais, integração entre órgãos e segurança jurídica. Mas também com fiscalização forte, estudos consistentes e responsabilidade ambiental real, não autodeclarada.

Simplificar não pode ser sinônimo de afrouxar. Porque o custo da negligência ambiental não é burocrático — é humano, ecológico e irreversível.

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Cristiana Nepomuceno é bióloga, advogada, pós-graduada em Gestão Pública, mestre em Direito Ambiental. É autora e organizadora de livros e artigos.

A opinião deste artigo é do articulista e não reflete, necessariamente, a posição da Itatiaia.