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Arte, porque respiramos

“Precisamos de arte para viver”. Já se perguntou o quanto disso há na sua vida desde seu primeiro dia de aula?

Minha mãe sempre se encheu de orgulho ao contar para todas as pessoas (acreditem, ela conta para todas as pessoas) que me colocou na escola porque eu pedi para ir aos 3 anos. Lembro vagamente, quase como imagem borrada, entre nuvens, de subir no portão da nossa casa e ficar encantada com as crianças indo para a escola. A imagem daquelas crianças de uniforme, na época de shorts e saias plissadas cor de vinho e camisetinhas brancas, me enchia de vontade de ser uma delas, de pertencer àquele grupo. Eu não sabia, hoje sei, que em cada imagem de ternura da infância e da juventude que guardamos, há poesia. E isso também vem de um conjunto de fatores que está ligado ao que chamamos de arte.

Quer outro exemplo? Quando viajamos, tiramos fotos das paisagens e dizemos em alta voz: “que lindo, olha isso!”. De novo, o encantamento poético, que absorve os olhos, dá paz, harmoniza corpo e mente e lá está o belo, a arte que mora na natureza ou mesmo em uma construção humana.

A arte é algo que nos afeta, emociona. Ninguém vive a adolescência sem música. Não há final de semana em que não busquemos o belo na arte da culinária, da paisagem, do cinema ou de uma série que assistimos na TV. Sim, precisamos de arte, porque respiramos.

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Lindo e real, mas esta coluna é de Educação. Por que falar de arte? Aqui, minha defesa ultrapassa o necessário ensino de arte na escola, aquele que nos ensina a ver, ouvir, ler arte impressa nas telas, nos livros, nas telas, nos muros das cidades. Ter aulas de Arte é direito garantido em lei* em todo o país. Para além disso, entender o quanto a arte nos convida a ser pessoas melhores, passa pelas lembranças dos momentos doces da infância e da adolescência e ganha as cores das produções das crianças ao longo da Educação Infantil, da paixão por experimentar texturas e fazer misturas; mas aterrissa de forma estranha em um dado momento em que ela passa a dizer “eu não sou boa para desenhar”.

Se a arte vem do encantar-se, o que acontece na escola quando isso se perde? Em texto anterior, fiz uma provocação para pensarmos sobre o quanto a ciência está em tudo e como isso se perde quando passamos para contas sem sentido, reproduzidas em cópia ou memorização do que está no quadro. Em dado momento da vida na escola, a criança também perde a confiança em sua capacidade artística e criativa, fica sem saber por onde começar. E por quê?

Vamos imaginar que o mundo perdesse as cores, que os brinquedos coloridos do pátio sumissem, as paredes com as obras de arte feitas pelas crianças, os lápis de cor, cera e canetinhas, os desenhos animados ficassem preto e branco, o videogame e todos os brinquedos perdessem a capacidade de emitir sons e interagir com as crianças. Imaginou? Filme de terror? Não, essa é apenas uma imagem semelhante a de uma sala de aula, com cadeiras enfileiradas,, com lápis, caneta e quadro negro em frente. Retire as cores do pátio, retire as cores e vozes dos amigos sentados em duplas ou em roda no chão da sala para ouvir uma leitura e encontrará o tédio que retira a criatividade e a confiança artística das crianças. As cores só voltarão no recreio. Não é à toa que, aos 10 anos, minha sobrinha mais velha me disse que o que mais gostava na escola era o intervalo, momento livre para sua imaginação e seu corpo criarem.

Um caminho importante é investir na formação dos professores para que a arte seja conteúdo presente em tudo que fazem, preparando os ambientes, trazendo fotos e reproduções para apresentar aos estudantes, visitando museus e equipamentos públicos com exposições, além de cinema e teatro, sempre que possível. Igualmente fundamental, o fortalecimento do ensino de arte. Nessa direção, o Instituto iungo desenvolveu um curso que explora o potencial da arte na educação, convidando os professores da Educação Básica a uma reflexão sobre o papel da arte no processo de ensino e aprendizagem e no desenvolvimento integral de crianças, adolescentes e jovens, considerando não só a criatividade e a expressão, mas também o pensamento crítico e a cidadania.

Na minha experiência atual como educadora, faço a leitura e a revisão de formações de professores e materiais pedagógicos e uma coisa que sempre cuido é para que estejam recheados de arte: músicas, vídeos, telas de artistas famosos ou não… a arte das paisagens naturais que a fotografia registra, a arte produzida por artistas contemporâneos em grafites e instalações nos lugares onde os professores em formação vivem. É fundamental que o ato de aprender siga nos inspirando e emocionando. Páginas e páginas monocromáticas não dão isso a ninguém.

*No Brasil, o ensino de arte se tornou obrigatório nos currículos do 1º e 2º graus em 1971 (Lei 5.692/71) 1971 . Em 1996, houve alteração, assinada pelo então presidente Fernando Henrique: Lei nº 9.394 de 20 de dezembro de 1996 - Capítulo II da Educação Básica: Art.26 § 2°- O ensino da arte constituirá componente curricular obrigatório, nos diversos níveis da educação básica, de forma a promover o desenvolvimento cultural dos alunos. Desde 2017, passou a vigorar a alteração da Lei n° Art. 213.415, de 16 de fevereiro de 2017: O art. 26 da Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, passa a vigorar com as seguintes alterações: Art. 26 § 2o - O ensino da arte, especialmente em suas expressões regionais, constituirá componente curricular obrigatório da educação básica.

Alcielle é diretora de educação do Instituto iungo, organização sem fins lucrativos que tem o propósito de transformar, com os professores, a educação no Brasil. É doutora em Psicologia da Educação e mestre em Educação: Formação de Formadores
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