Ouvindo...

Mansplaining e Manterrupting no trabalho: você sabe do que se trata?

Expressões são reflexos de relações em uma sociedade marcada por comportamentos machistas

Em fevereiro de 2024, um vídeo viralizou no TikTok mostrando a profissional de golfe Georgia Ball sendo interrompida por entusiasta do esporte que criticava a sua técnica. Enquanto passava por uma “mudança de swing” – uma técnica comum entre golfistas para aprimorar suas habilidades - uma voz masculina a interrompe com um “com licença”, seguido de “você não deveria fazer isso” e, “sabe, eu jogo golfe há 20 anos”. Georgia, uma instrutora e profissional certificada da PGA, educadamente explicava o que estava fazendo, enquanto continuava seu treino.

O vídeo, que acumulou mais de 10 milhões de visualizações, exemplifica uma conduta conhecida como “mansplaining”. Esse termo descreve situações em que homens dão conselhos ou explicações a mulheres, muitas vezes mais qualificadas, sem que elas tenham pedido — como se elas não soubessem do assunto.

Construção semelhante é a do “manterrupting”, que refere-se à prática de homens interromperem mulheres de maneira frequente e desnecessária, especialmente em conversas ou reuniões. Um exemplo comum é quando uma mulher apresenta um projeto e um homem a interrompe para dizer que ele já sabe tudo sobre o assunto. Ou ainda quando ele diz que ela está errada e a corrige publicamente.

Leia também

Por mais que esses termos possam ser novidade para alguns, as mulheres no mercado de trabalho sabem bem o que eles significam e como eles prejudicam seu desenvolvimento profissional. Ao passo que as mulheres são ensinadas a serem cuidadosas em suas palavras e aconselhadas a não serem “mandonas” no ambiente de trabalho, muitas vezes os homens se sentem encorajados por interpretarem que esse tipo de conduta é sinônimo de assertividade e confiança.

Dados levantados por Sheryl Sandberg, pesquisadora da Universidade George Washington, revelam que as mulheres são interrompidas três vezes mais que os homens em reuniões de trabalho. Além disso, estudos indicam que, em média, os homens ocupam 75% do tempo de fala durante encontros profissionais, reforçando o desequilíbrio de poder e participação.

Embora possam parecer inofensivos à primeira vista, comportamentos como mansplaining e manterrupting têm consequências graves: eles silenciam, diminuem e desestimulam as mulheres, levando-as a duvidar de suas próprias capacidades. Para combater essas práticas, é fundamental agir em múltiplos níveis, que vão desde o reconhecimento e conscientização organizacional, por meio do comprometimento das lideranças e do RH em promover uma cultura corporativa mais respeitosa e inclusiva, independente de gênero, com a realização de treinamentos para conscientizar a organização sobre tais comportamentos e seus efeitos negativos, até respostas e posicionamentos individuais.

Individualmente, caso você se sinta alvo desse tipo de conduta, o primeiro passo é não se sentir inferiorizada diante desse tipo de situação. Ao contrário do que se possa parecer, o “mansplaining” e o “manterrupting” mostram a vulnerabilidade de um homem ao perceber que a mulher domina mais do que ele determinado assunto, causando o medo de que ele seja superado. Portanto, é fundamental não se intimidar, retomar a palavra e mostrar segurança, o que pode ser feito com o auxílio de frases como: “desculpe, mas gostaria de terminar meu raciocínio”, “um momento, estou concluindo meu ponto” e “na verdade, já conheço bem o tema, obrigada.”

Outra dica é dar um toque sutil para mostrar que reconhece a condescendência, desarmando a situação desconfortável com uma resposta bem-humorada que mostre que a mulher não aceita a microagressão, ao mesmo tempo em que mantém o ambiente leve e acessível. Para tanto, é importante criar espaços em que as mulheres se sintam seguras para expressar as suas opiniões sem medo de serem julgadas e interrompidas, com políticas claras de tolerância zero, independentemente de nível hierárquico.

Para finalizar, gostaria de lembrar que o “mansplaining” e o “manterrupting” são reflexos de dinâmicas estruturais que regem as relações sociais em uma sociedade marcada por comportamentos machistas, que devem ser eliminados. Mais do que uma questão de etiqueta, enfrentar essas condutas é essencial para o progresso coletivo. Promover uma cultura de respeito mútuo beneficia a todos, criando ambientes onde a diversidade é valorizada, as ideias são amplamente debatidas e o sucesso é construído em conjunto. Afinal, a diversidade de ideias e a equidade são fundamentais para a inovação, o crescimento e o sucesso no ambiente corporativo.

Que esse debate inspire reflexões e ações transformadoras, garantindo que ninguém precise lutar por um espaço que já deveria ser seu por direito!


Participe dos canais da Itatiaia:

Clarissa Nepomuceno é advogada e sócia do escritório Nepomuceno Soares Advogados. Palestrante e professora universitária, defende que a independência financeira e a construção da carreira são fundamentais na ruptura dos ciclos de violência e para o alcance do ODS 5 – Equidade de Gênero.
Leia mais