Em tempos em que é possível mandar mensagem ou ligar para alguém em qualquer lugar do mundo sem sair de casa, muitos adolescentes nem imaginam que, antes, era preciso caminhar até um ponto específico, enfrentar fila e pagar para falar rapidamente dentro de conchas coloridas espalhada pelas cidades. Hoje, os poucos orelhões que restam nas ruas de Belo Horizonte servem como ‘peças de museu’ que preservam boas memórias de um tempo não tão distante, mas inimaginável para os novos da geração Alpha (nascidos a partir de 2010).
A sensação de que basta caminhar pela cidade para perceber o desaparecimento dos orelhões é real. Levantamento da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), feito a pedido da Itatiaia, mostra que a capital mineira, que chegou a ter 15.186 terminais em 2007, já não conta mais com nenhum telefone público atualmente. O último foi desativado em março de 2025. Em 2017, esse número já havia caído para 9.816.
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Seja para dar notícias, matar a saudade ou até passar trote, os telefones públicos sempre fizeram parte do dia a dia da população. E foi justamente dessa travessura que Beatriz Pereira de Almeida, de 34 anos, se lembra bem. “Ligava, deixava o orelhão pendurado e a pessoa do outro lado ficava chamando, falando ‘alô, alô’, e a gente deixava lá. Era brincadeira levada, mas era bom”, contou ela, ao recordar em especial o orelhão perto da Escola Municipal Bem-Vinda Pinto Rocha, onde estudava, no bairro Jardim Canadá, em Nova Lima, na Grande BH.
“Saudade da infância, né? Orelhão, para mim, é recordação”, acrescentou.
Segundo a Anatel, a retirada dos telefones de uso público da cidade se deu em razão da adaptação da concessão da operadora Oi, que era responsável pela prestação do serviço de telefonia fixa em regime público.
A Oi promoveu, junto à Anatel, a mudança das concessões de telefonia fixa para autorizações do mesmo serviço, conforme previsto na Resolução nº 741/2021. Com isso, a empresa não é mais obrigada a oferecer o telefone fixo em regime público, exceto nos locais que ainda não contam com outro serviço de voz substituto, conforme acordo firmado.
Veja os números de telefones públicos em Belo Horizonte de 2007 a 2017
A mudança na forma de se comunicar
O uso de celulares no Brasil cresceu rápido nas últimas décadas, impulsionado pela chegada dos smartphones e pela popularização da internet móvel — especialmente entre 2010 e 2020. O WhatsApp, lançado em 2009, ganhou força no país a partir de 2013 e rapidamente se tornou uma das principais ferramentas de comunicação.
Essa transformação mudou a forma como as pessoas se relacionam e, pouco a pouco, fez com que os orelhões deixassem de ser tão indispensáveis. “Acho que antes a gente tinha mais ideia da necessidade de se comunicar. Hoje em dia ficou uma coisa mais fútil, perdeu um pouco o valor da comunicação”, disse Beatriz.
A possibilidade de enviar qualquer mensagem, a qualquer hora, trouxe praticidade e rapidez. Mas, junto com isso, veio também a sensação de disponibilidade a todo o tempo e demandas infinitas. “Porque no orelhão cada minuto custava, então a gente já discava sabendo exatamente o que tinha que falar. Hoje, muitas vezes, as pessoas falam até sem intenção, só para mandar qualquer coisa”, completa.
Beatriz destaca que cada vez menos as pessoas fazem ligações — mesmo pelo celular. “Pela voz, você transmite sentimento. Já a escrita é complicada, a não ser que a gente use muitas figurinhas ou emoticons… Perdeu-se muito”, lamenta.
Orelhão na Avenida Nossa Senhora do Carmo, no bairro Sion, em Belo Horizonte
Orelhão ainda faz falta
A auxiliar de limpeza Marilda Cardoso Dias, de 51 anos, é um exemplo de como o orelhão ainda faz falta nos dias de hoje. Desempregada e sem condições de ter um smartphones, ela conta que depende da boa vontade de colegas para conseguir se comunicar. “Eu mesma usava muito para falar com minha mãe, que mora no interior”, contou, lembrando que enfrentava longas filas no Centro de Belo Horizonte.
Já Jaqueline Mota dos Santos, de 36, que trabalha com reciclagem, lembra de familiares em situação de rua. “Tenho um irmão que mora na rua. Talvez, se tivesse um orelhão hoje, ele poderia entrar em contato comigo. Ele tem vício, então não consegue manter telefone, essas coisas. Mas o orelhão já ajudava bastante. Eu voto para a volta dos orelhões, viu?”, disse.
Não há planos para que eles voltem. Em Belo Horizonte, também não existe mais um levantamento oficial dos endereços onde ainda restam as carcaças de orelhões — estruturas que hoje sobrevivem apenas como lembrança.
Alexandre, de 5 anos, sempre que passa pelo Centro de Saúde Vila Leonina, na Praça do Ensino, no bairro Alpes, Região Oeste da capital, aponta para a cabine enferrujada para “fazer uma ligação” — sem imaginar como funcionava um telefone que não dependia de telas para tocar. Hoje, as estruturas em formato de concha compõem o cenário urbano quebrados, sujos e tomados por pichações.
Por BH, a reportagem encontrou alguns desses vestígios:
- Avenida Nossa Senhora do Carmo – Sion (Região Centro-Sul)
- Avenida Álvares Maciel, 554, esquina com Piauí – Santa Efigênia (Região Leste)
- Avenida Alfredo Balena, em frente ao Teatro Marília – Santa Efigênia (Região Leste)
- Rua Francisco Deslandes, 222 – Anchieta (Região Centro-Sul)
- Avenida Cristiano Machado, 2234 – Cidade Nova (Região Nordeste)
- Rua Purus, 157 – Concórdia (Região Nordeste)
- Avenida Álvares Cabral, 1805 – Santo Agostinho (Região Centro-Sul)
- Avenida Francisco Sales, 1455 – Santa Efigênia (Região Leste)
- Rua Rio de Janeiro, 885 – Centro (Região Centro-Sul)
- Escola Estadual Duque de Caxias - fica na R. Maria de Lourdes Oliveira, 85 - Santa Helena (Barreiro)
E você, onde viu o último orelhão?