Um dos principais desafios do comércio físico, de rua, é a concorrência com a internet. Isso vale para bens duráveis, como eletrônicos e eletrodomésticos, mas é especialmente mais desafiador quando se trata de moda. A analista do Sebrae Kênia Cardoso, especialista em Moda, acredita que o consumidor tem voltado a procurar as lojas de forma presencial, mas admite a concorrência com a internet como um desafio para as lojas de rua.
“(Existe) Essa concorrência da compra online. As pessoas se acostumaram a fazer esse tipo de compra, apesar disso estar voltando um pouco mais para o ambiente físico, ainda tem esse resquício da compra online.”
Comerciante com quarenta anos e atuação no Barro Preto, Lúcio Faria, de 69 anos, aponta em números o impacto da concorrência com os produtos importados.
“Eu já tive 30 funcionários. Além dos 30, tinha 10 vendedores correndo Minas Gerais inteiro. Hoje eu tô com 10 funcionários.”
Faria, que preside o Sindicato do Comércio Atacadista de Tecidos Vestuário e Armarinhos de Belo Horizonte (Sincateva), critica a qualidade dos produtos e a falta de condições tributárias equilibradas.
” É tênis AllStar, tênis ‘mal estar’, camisa com jacarezinho, sem jacarezinho, você encontra tudo lá e isso atrapalha bastante. Não tem qualidade, igual tem no Barro Preto. E sai tudo sem nota fiscal lá desses lugares assim, né? Você vai comprar e o pessoal não dá nota fiscal. Enquanto que a gente é fiscalizado, a gente tem que estar o tempo todo dando nota de tudo. É obrigação nossa, obrigação de todo mundo e não podemos ter essa concorrência aqui dentro do país.”
O vice-presidente da Câmara de Dirigentes Lojistas de Belo Horizonte (CDL-BH), Fausto Izac, comanda há décadas uma loja de armarinhos no Barro Preto. Ele desenha um cenário globalizado na compra e venda de produtos do segmento.
“A gente tem cerca de 150 fornecedores, 95% é fora do estado de Minas Gerais, o que é ruim porque você sabe isso gera uma carga de impostos maior. A gente precisa criar até mais fornecedores dentro de Minas Gerais e trabalhamos um pouco também com produtos importados”, enumera o comerciante, que tem 16 funcionários e três representantes comerciais.
Pessoas em situação de rua
Uma reclamação recorrente dos comerciantes do Barro Preto diz respeito ao aumento do número de pessoas em situação de rua pela cidade.
Essa população quase triplicou na última década, chegando a 5.344 pessoas. Isso é o que indica o ''Quarto Censo da População Adulta em Situação de Rua’’, realizado em parceria entre a Secretaria Municipal de Assistência Social, Segurança Alimentar e Cidadania e a Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Os dados completos foram disponibilizados em junho de 2024.
O levantamento contou com 300 pesquisadores percorrendo as nove regionais da capital. Os profissionais foram à campo no mês de outubro de 2022.
O número tem crescido nos últimos anos: em 1998, foram encontradas 916 pessoas em situação de rua, em 2005 foram 1.164, em 2013, 1.827 pessoas.
Vice-presidente da CDL BH, Fausto Izac, aponta este e outros desafios para os comerciantes, no que diz respeito à segurança pública e estrutura urbana.
“Claro, nós temos desafios na área da segurança pública, que não é um desafio específico do Barro Preto. Morador em situação de rua, que isso traz um pouco de desconforto para quem vem comprar em Belo Horizonte, mas que também não é exclusividade em Belo Horizonte. Nós temos que lidar com isso e é preciso de uma sensibilidade dos governos para que a gente consiga obter êxito, para dar dignidade a essas pessoas e que possa, de fato, tornar Belo Horizonte uma cidade atraente.”
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Izolda Maia tem 54 anos, sendo 25 como comerciante no Barro Preto – Rua dos Timbiras, perto do 2700. A mãe dela, de 92 anos, mora em frente a loja.
“Outro dia ela (a mãe) até me falou: “Ô minha filha, eu queria tanto ir lá na Praça Raul Soares sentar lá, tomar um solzinho”, eu falei, mãe nem banco tem mais, roubaram todos os bancos. Então assim, é muito triste a população não poder ter nem acesso à praça”, critica.
Sobre as pessoas em situação de rua, ela narra episódios que diz serem frequentes na região.
“Essas pessoas não têm banheiro, então elas acabam fazendo as necessidades fisiológicas todas na rua, então assim o bairro hoje é um bairro que não cheira bem. Todos os dias defecam e urinam na porta da loja. Como tem aquelas grades de segurança que colocam nas portas de aço, eles ainda fazem as necessidades ali dentro, então o funcionário quando vai puxar aquilo ali ainda suja a mão, é muito triste”.
Fernando Rabelo, da fabricante Cláudia Rabelo Jeans, recebeu a Itatiaia numa das lojas da empresa, que fica na Rua dos Goitacazes, perto do número 1100. Ele também lista os problemas causados pela população em situação de rua.
“Isso é uma reclamação geral aqui no Barro Preto, todos os comerciantes que a gente encontra falam que são muitas fezes e xixi, principalmente no final de semana, né? Quando a gente chega para trabalhar é muito desagradável. Então o cliente realmente fica desconfortável, reclama.”
O comerciante Lúcio Faria, da loja Fama Aviamentos, que fica na Avenida Augusto de Lima, sobe o tom.
“Estão transformando esse lugar em polo do morador de rua, porque o morador de rua tomou conta e fica todo mundo empurrando. ‘Ah, ele tem direito de ir e vir’, mas tá tirando o meu cliente e tá tirando o meu direito. ‘Ah, mas isso é problema no mundo inteiro’.Porque é problema no mundo inteiro, nós nunca vamos fazer nada? Aí você vai falar pra polícia, ela não tem autoridade pra fazer. Vai falar pra prefeitura, não tem autoridade pra fazer. A gente fica pedindo socorro, nós precisamos trabalhar. Você chega na porta da sua loja, tá tudo sujo. Morador de rua, ele tem esse direito? Ele tem direito de ir pra praça da Raul Soares e montar barraca lá, tomar banho pelado lá, ele tem esse direito?”, desabafa.
Nesta sexta-feira (31), a gente chega na quinta reportagem dessa série especial. Vamos te levar pra conhecer uma fábrica de roupas, distante cerca de sete quilômetros do Barro Preto. São cerca de 20 mil peças produzidas por mês.