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Reclusa, filha de Ângela Diniz comenta impactos do assassinato da mãe: ‘catastrófico’

Cristiana Vilas Boas contou a história da mãe em um evento do Ministério Público de Minas Gerais, nessa sexta-feira (23); crime marcou a história do judiciário brasileiro

Cristiane Vilas Boas é uma dos três filhos da socialite mineira Ângela Diniz, assassinada em 1976

Há quase 50 anos, Cristiana Vilas Boas vive uma vida reclusa, longe dos holofotes. Em 1976, um crime de feminicídio na família dela ganhou repercussão nacional e marcou para sempre a trajetória de todos os membros.

Na noite do dia 30 de dezembro daquele ano, véspera de réveillon, a mãe de Cristiana, a socialite mineira Ângela Diniz foi morta pelo namorado, o playboy paulista Raul Fernando do Amaral Street, conhecido como Doca Street. Aos 32 anos, Ângela foi assassinada com quatro disparos no rosto e um na nuca, deixando três filhos.

Acostumada a não falar sobre o assunto publicamente, Cristiana decidiu contar a história da mãe em um evento, realizado nessa sexta-feira (23), de comemoração ao aniversário de um ano da Casa Lilian - instituição do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), destinada ao acolhimento de familiares e vítimas de violência contra a mulher.

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Cristiana era a filha do meio, e tinha apenas 12 anos quando tudo aconteceu. Ela e os irmãos, na época com 13 e 10 anos, eram filhos do primeiro casamento de Ângela com o engenheiro Milton Villas Boas.

“Eu resolvi participar porque a vida inteira, desde 1976, depois desse acontecido, eu e meus irmãos tivemos uma vida mais recolhida, até pelas dificuldades. Quatro anos depois da morte da minha mãe, perdemos o meu pai em um acidente de avião. Então, com 16 anos já era orfã de pai e mãe. Aí veio o julgamento (do assassino), que meu irmão mais velho participou. Foi uma coisa muito difícil na vida dele. Depois, ele sofreu um acidente grave de moto em que tinha só 1% de chance de sobreviver. Ele sobreviveu, virou cadeirante, mas a vida dele acabou. Não se casou, não teve filhos. O caçula teve problemas com drogas e morreu, aos 22 anos, em um acidente de carro. Os resultados (do crime) foram catastróficos na vida da gente”, lamentou.

Cristiana conta que foi embora do Brasil para conseguir refazer a vida longe de tudo que havia acontecido. Hoje, já mãe e avó, ela analisa: “minha mãe fez falta a vida inteira”.

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Da separação ao relacionamento com o assassino

Apesar de ter um casamento com três filhos, aquele relacionamento já não fazia mais sentido para Ângela, que decidiu se separar, o que foi um escândalo para a época.

Separada aos 24 anos, Ângela foi viver com mais liberdade, teve outros namorados e seguiu a própria vida. O ex-marido, para tentar convencê-la de reatar o casamento, resolveu pedir a guarda dos três filhos e, assim, Cristiana foi privada da convivência diária com a mãe.

“Vivíamos com meu pai em Belo Horizonte e víamos minha mãe com uma certa frequência, mas essas visitas eram monitoradas. Nós não podíamos passar férias com ela”, conta a filha da socialite.

Em 1973, Ângela se mudou para o Rio de Janeiro e, em setembro de 1976, começou um relacionamento com Doca Street. O playboy era casado com a milionária Adelita Scarpa e tinha dois filhos. Depois de conhecer Ângela, ele se separou e foi morar com a socialite mineira no Rio de Janeiro. Os dois ficaram juntos por apenas quatro meses.

“No Natal, ela foi para Belo Horizonte com ele e já tinha algo estranho ali. Já dava para perceber um certo desconforto. Ela não era mesma pessoa. Ele não deixava ela sozinha com a gente, ela era sempre vigiada e cerceada. Na semana seguinte, soubemos que ela tinha sido morta por ele. No dia do crime, eles brigaram e o Doca foi mandado embora por ela. Ele vivia às custas dela. Mas ele não aceitou isso muito bem porque tinha largado um casamento com uma mulher muito rica por ela. Como ela ousava terminar com ele? Ele chegou a ir embora com o carro, mas voltou e atirou nela. Foi tiro de fato para ter certeza que tinha matado”, disse.

Opinião pública e Justiça ficaram a favor de assassino

Após o crime, Doca foi condenado, por cinco votos a um, a cumprir pena de 18 meses pelo assassinato e mais seis meses por fugir da Justiça. Porém, ele teve direito a sursis (dispensa do cumprimento de uma pena, no todo ou em parte), e saiu da cadeia após sete meses preso.

O playboy saiu do tribunal pela porta da frente, aplaudido por uma multidão que acompanhava o julgamento, marcado pelo machismo da imprensa e da opinião pública.

Para defendê-lo, o advogado criminalista Evandro Lins e Silva usou a tese da legítima defesa da honra para justificar o crime. A tese dava o direito de, em caso de adultério, um homem pudesse matar uma mulher sob alegação de que ela o teria traído. Ela é considerada inconstitucional desde 2023.

Segundo julgamento e movimento ‘Quem ama não mata’

Após outras três mulheres serem assassinadas da mesma forma que Ângela Diniz, o movimento feminista ‘Quem ama não mata’, criado em 1975 no Rio de Janeiro, organizou protestos durante o primeiro julgamento de Doca.

Os protestos fizeram pressão para que o caso da socialite fosse reavaliado pela Justiça. A promotoria, então, recorreu da sentença e um novo júri foi marcado para o dia 5 de novembro de 1981.

Agora, com a opinião pública a favor de Ângela, Doca foi condenado a 15 anos de prisão. Porém, o playboy só ficou preso até 1987. Ele morreu no dia 18 de dezembro de 2020, após um ataque cardíaco.

A história de Ângela Diniz foi contada no podcast ‘Praia dos Ossos’, da Rádio Novelo, e ganhou um longa metragem com a atriz Ísis Valverde no papel da socialite mineira.


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Fernanda Rodrigues é repórter da Itatiaia. Graduada em Jornalismo e Relações Internacionais, cobre principalmente Brasil e Mundo.