Há quase 50 anos, Cristiana Vilas Boas vive uma vida reclusa, longe dos holofotes. Em 1976, um crime de feminicídio na família dela ganhou repercussão nacional e marcou para sempre a trajetória de todos os membros.
Na noite do dia 30 de dezembro daquele ano, véspera de réveillon, a mãe de Cristiana, a socialite mineira Ângela Diniz foi morta pelo namorado, o playboy paulista Raul Fernando do Amaral Street, conhecido como Doca Street. Aos 32 anos, Ângela foi assassinada com quatro disparos no rosto e um na nuca, deixando três filhos.
Acostumada a não falar sobre o assunto publicamente, Cristiana decidiu contar a história da mãe em um evento, realizado nessa sexta-feira (23), de comemoração ao aniversário de um ano da Casa Lilian - instituição do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), destinada ao acolhimento de familiares e vítimas de violência contra a mulher.
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Cristiana era a filha do meio, e tinha apenas 12 anos quando tudo aconteceu. Ela e os irmãos, na época com 13 e 10 anos, eram filhos do primeiro casamento de Ângela com o engenheiro Milton Villas Boas.
Cristiana conta que foi embora do Brasil para conseguir refazer a vida longe de tudo que havia acontecido. Hoje, já mãe e avó, ela analisa: “minha mãe fez falta a vida inteira”.
Da separação ao relacionamento com o assassino
Apesar de ter um casamento com três filhos, aquele relacionamento já não fazia mais sentido para Ângela, que decidiu se separar, o que foi um escândalo para a época.
Separada aos 24 anos, Ângela foi viver com mais liberdade, teve outros namorados e seguiu a própria vida. O ex-marido, para tentar convencê-la de reatar o casamento, resolveu pedir a guarda dos três filhos e, assim, Cristiana foi privada da convivência diária com a mãe.
“Vivíamos com meu pai em Belo Horizonte e víamos minha mãe com uma certa frequência, mas essas visitas eram monitoradas. Nós não podíamos passar férias com ela”, conta a filha da socialite.
Em 1973, Ângela se mudou para o Rio de Janeiro e, em setembro de 1976, começou um relacionamento com Doca Street. O playboy era casado com a milionária Adelita Scarpa e tinha dois filhos. Depois de conhecer Ângela, ele se separou e foi morar com a socialite mineira no Rio de Janeiro. Os dois ficaram juntos por apenas quatro meses.
Opinião pública e Justiça ficaram a favor de assassino
Após o crime, Doca foi condenado, por cinco votos a um, a cumprir pena de 18 meses pelo assassinato e mais seis meses por fugir da Justiça. Porém, ele teve direito a sursis (dispensa do cumprimento de uma pena, no todo ou em parte), e saiu da cadeia após sete meses preso.
O playboy saiu do tribunal pela porta da frente, aplaudido por uma multidão que acompanhava o julgamento, marcado pelo machismo da imprensa e da opinião pública.
Para defendê-lo, o advogado criminalista Evandro Lins e Silva usou a tese da legítima defesa da honra para justificar o crime. A tese dava o direito de, em caso de adultério, um homem pudesse matar uma mulher sob alegação de que ela o teria traído. Ela é
Segundo julgamento e movimento ‘Quem ama não mata’
Após outras três mulheres serem assassinadas da mesma forma que Ângela Diniz, o movimento feminista ‘Quem ama não mata’, criado em 1975 no Rio de Janeiro, organizou protestos durante o primeiro julgamento de Doca.
Os protestos fizeram pressão para que o caso da socialite fosse reavaliado pela Justiça. A promotoria, então, recorreu da sentença e um novo júri foi marcado para o dia 5 de novembro de 1981.
Agora, com a opinião pública a favor de Ângela, Doca foi condenado a 15 anos de prisão. Porém, o playboy só ficou preso até 1987. Ele morreu no dia 18 de dezembro de 2020, após um ataque cardíaco.
A história de Ângela Diniz foi contada no