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‘Estou presa em 2021': em busca de justiça, mãe de vítima de feminicídio conta impactos do crime na família

No Dia Estadual de Combate à Violência contra a Mulher, Ministério Público recebe familiares de vítimas de feminicídio para contar suas histórias; MG teve 497 mulheres assassinadas entre 2021 e 2023

Ana Luiza Souto Dompsin, de 25 anos, foi morta pelo namorado com um tiro na nuca em 2021

“Eu quero que a minha filha seja lembrada como a menina que ajudou a prevenir outros feminicídios e não a que foi morta”, afirma Keila Souto, mãe de Ana Luiza Souto Dompsin. A dentista de apenas 25 anos foi assassinada pelo namorado, em março de 2021, em Divisa Alegre (MG), cidade na divisa de Minas Gerais e da Bahia.

Em um evento de comemoração ao aniversário de um ano da Casa Lilian, instituição do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) que promove acolhimento a familiares e mulheres vítimas de violência, realizado nesta sexta-feira (23), Keila contou a história da própria filha para ajudar outras mulheres vítimas da violência doméstica.

Segundo um levantamento realizado pelo MPMG, entre 2021 e 2023, 497 mulheres foram mortas no estado. Uma delas é Ana Luiza. Para a mãe dela, é preciso ouvir as mulheres que ainda gritam por socorro no país.

“Vai passando um filme na cabeça. O feminicídio é o fim, mas tem todo um processo que a gente imagina que minha filha passou antes do feminicídio. O maior sofrimento é que não se pode fazer mais nada depois do feminicídio. Um amigo da minha filha escreveu um texto que dizia: ‘Onde a gente estava quando a Ana gritou?’. Quantas mulheres não estão gritando agora?”, questiona Keila.

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Mãe afirma que só vai viver o luto quando autor for condenado

O assassino de Ana Luiza é o tenente da Polícia Militar da Bahia, Amaurí dos Santos Araújo. Atualmente, ele cumpre pena em regime domiciliar e ainda aguarda julgamento. Segundo a mãe da jovem, já foi definido que o caso irá a júri popular, mas, mesmo três anos e cinco meses após o crime, ainda não há uma data marcada para o júri.

“Quando ele foi para casa (cumprir pena), me deu muita revolta. É injusto minha filha estar morta e ele estar em casa no bem bom. Mas depois, o tempo vai ensinando que esse tempo é necessário. Inclusive, o tempo que demora é justamente por tantos recursos que a defesa entra tentando atrapalhar esse júri. Todos os recursos já se esgotaram e agora a gente só está aguardando a data. A partir daí eu vou poder viver o luto. Eu ainda estou presa lá no dia 23 de Março de 2021. Então, essa luta, essa agonia, essa angústia vai acabar no dia do julgamento. Não vai ser um dia feliz, não vai ser um dia de vitória, mas vai ser um dia onde a justiça dos homens será feita”, disse Keila à Itatiaia.

Enquanto espera a Justiça ser feita, Keila relata como o feminicídio impactou profundamente a história de toda a família.

“Foi uma destruição total. A Ana Luiza era muito presente na vida de todo mundo, não só da família, mas ela tinha muitos amigos. Foi difícil principalmente para mim e para minha outra filha. Nós éramos três, a gente sabia ser três. Depois que ela partiu, eu e minha filha não sabíamos como a gente ia fazer. Nó tivemos que descobrir por nós mesmas a como ser duas. Foi um processo muito difícil, ainda é. Para o pai dela foi ainda pior. Ele não conseguia ver fotos, vídeos e reportagens sobre ela. Hoje ele só consegue falar muito pouco”, conta.

Autor era violento e tentou forjar suicídio da vítima

Camila Souto, prima da vítima, conta que Ana Luiza e o namorado só estavam juntos há quatro meses quando tudo aconteceu. Camila relembra como era o relacionamento da dentista com o autor.

“Ele sempre foi possessivo com ela, sempre teve crises de ciúmes muito fortes. Ele começou a ameaçá-la falando que queria matar o ex-namorado dela, que queria matar a mãe e ir atrás da família. A Ana Luiza sempre foi uma mulher muito preservada. Ela ficava com muito medo, sabe? Então, ela não falava muito com a mãe sobre isso”, contou Camila.

No dia do crime, Amaurí deu um tiro na nuca de Ana Luiza, que morreu na hora. O policial militar tentou enganar a Justiça dizendo que a dentista havia se suicidado, o que foi desmentido pelas investigações.

“Foi graças ao IML (Instituto Médio Legal), e à promotoria de Justiça que provou o contrário. Eu espero que a Justiça seja feita em algum momento e que a gente consiga levar o exemplo da Ana Luiza para outras mulheres e consiga salvá-las”, finaliza.


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Fernanda Rodrigues é repórter da Itatiaia. Graduada em Jornalismo e Relações Internacionais, cobre principalmente Brasil e Mundo.